“Recebemos, ó Deus, a vossa misericórdia no meio do vosso templo.
Vosso louvor se estenda, como o vosso nome, até os confins da terra;
toda a justiça se encontra em vossas mãos” (Cf. Sl 47,10s).
Meus queridos irmãos,
A Paz é o desejo maior de todos os cristãos. Por isso somos convidados a repetir o gesto de Jesus e de todos os seus seguidores: “Que a paz esteja nesta casa e com todos os seus moradores”. Por isso, nós que somos discípulos e missionários de Jesus Cristo somos convidados a imitá-lo levando a paz para todos os lares: “Em qualquer casa em que entrardes, dizei: Paz a esta casa... Curai os enfermos” (Cf. Lc. 10,5.9). A paz que nos aponta para a proximidade do Reinado de Deus. Assim, esta missão é dever não só dos apóstolos, mas dos setenta e dois discípulos que Jesus mandou depois da missão dos Doze. O Evangelista Lucas pensa numa ampliação da missão dos Doze, que representam a missão das doze tribos de Israel. Os setenta e dois lembram os setenta e dois povos de Genesis 10 e os tantos profetas-anciãos de Números 11,24-30. Depois do Evangelho do Cristo ter sido propagado a toda o povo israelita é chegada a hora deste anúncio ser compartilhado com todas as gentes e com todos os povos. É a universalidade do mandato apostólico e da missão que todos, sem distinção, pelo batismo são chamados a se empenharem no anúncio do Cristo Ressuscitado. E este anúncio tem um conteúdo programático fundamental: o Reino de Deus. Este Reino se caracteriza pela “paz”, no sentido mais abrangante e profundo, de harmonia plena entre Deus e os homens, e entre os homens solidariamente. Assim, todos os homens e mulheres de boa vontade são chamados e convocados a serem os protagonistas da paz.
Caros irmãos,
O Evangelho de Jesus deve ser aberto a todos e anunciado sem distinção. Anunciar o Evangelho pelos setenta e dois discípulos é relembrar nos setenta e dois povos da terra (Cf. Gn 10). Por isso no Evangelho deste domingo (Cf Lc 10,1-12.17-20) fica claro que é a universalidade da missão aonde todos são chamados a serem operários da construção do Reino de Deus. Portanto, o Reino de Deus não se impõe pela força e nem contra a vontade. O Reino de Deus realizar-se-á seguramente, mas para aqueles que o querem. Deus respeita a liberdade que deu às suas criaturas. Assim, a vingança e o ódio não constroem nada e não são atitudes queridas por Deus. O Evangelho não pode, não tem fronteiras geográficas, raciais, religiosas, sociais e políticas. O Evangelho é a boa nova, a chance da verdade e da graça de Deus. E os que aderirem a esta verdade e a esta graça estão ascendendo uma luz em Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida que leva ao Pai. Por isso quem é de Cristo, enamorou-se pelo Cristo deve ser luz para os outros, isto é, ser um discípulo autenticamente missionário, portador da salvação.
O
envio dos discípulos e como o envio de João Batista: “Tu estarás repleto
do Espírito Santo; converterá a muitos: ... e prepararás o povo para o
Senhor” (Cf. Lc 1, 16-17). O discípulo deve se comportar como um
profeta, que é o porta-voz de Deus. Profeta é aquele que não prega a sua
verdade pessoal, mas prega a verdade do Cristo e a salvação que vem
deste projeto que é projeto de vida plena. O discípulo é o mensageiro do
Cristo, assim, poderíamos chamá-lo de arauto do Senhor. Por isso o
discípulo aponta pela sua pregação o horizonte do Cristo, a busca do
rosto sereno e radioso do Senhor Ressuscitado, fiel ao próprio mandato
do Senhor: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba” (Cf. Jo. 7,37).
Irmãos e irmãs,
Qual deve ser a atitude do discípulo? O discípulo deve ser manso e desprendido das coisas deste mundo. O discípulo deve ter a metodologia e o jeito de viver do Cristo. Assim, a primeira qualidade do discípulo é a mansidão, presente na figura do cordeiro e na saudação a ser usada ao entrar numa casa. Contemplamos Jesus que recusa o método violento de Tiago e de João ao terem a hospedagem negada. Por isso os discípulos devem relembrar o Sermão da Montanha: “Felizes os mansos, felizes os pacíficos, porque são portadores de reconciliação e são filhos de Deus” (Cf. Mt 5,9).
A segunda qualidade do discípulo é o desprendimento das coisas, dos bens materiais, da comodidade e de tudo aquilo que nós resumimos na palavra “bem-estar”. Portanto, Jesus nos pede para deixar para trás bolsa, alforje, sapato para ter a liberdade de viver e de anunciar unicamente o Cristo Ressuscitado que está no meio de nós. Desprendido de tudo e de si mesmo, o autêntico discípulo estará credenciado para anunciar a paz.
Caros irmãos,
A pobreza nos aponta para a mansidão e o desprendimento. A pobreza que o Cristo exige de seu discípulo é a do desprendimento, que acaba sendo sinônimo de coração voltado para Deus e para o próximo necessitado. À pessoa de coração fraterno e receptivo, Jesus chama de filho da paz (Cf. Lc. 10,6). Por isso anunciemos a chegada do Reino de Deus e esse reino será necessariamente de paz. Não se trata da paz como a pensam os homens do mundo. Mas paz que é sinônimo de Jesus Cristo. A paz de Jesus tem muito a ver com a mansidão, o desprendimento e o respeito a tudo e a todos. A paz de Jesus é a derrota de Satanás, de suas maldades, de suas doenças e de seus males. A Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, o justo, nos leva a verdade de condenar o aborto, a eutanásia, os homicídios e anunciar a cultura da vida. Por isso a alegria do discípulo não deve ter por base o poder sobre os espíritos do mal e a derrota de Satanás, mas o fato de Deus o ter escolhido para a comunhão plena com ele, que é o gozo da sonhada e plena pacificação, com o auxílio do Espírito Santo.
Caros fiéis,
O essencial não é o êxito, mas a fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo. O anúncio cristão da salvação é um dos muitos sinais presentes no mundo contemporâneo. A Santa Igreja se apresenta para manifestar o anúncio como meios pobres. Sua mensagem, estritamente religiosa, fala, porém, a uma mentalidade preconcebida. Os homens do nosso tempo consideram como uma alienação o recurso ao Deus que salva. O que o Senhor, antes nos pede, é a fidelidade a ele, à sua mensagem e ao seu estilo de anúncio, mas não nos garante êxito temporal.
Prezados irmãos,
Na Primeira Leitura (Cf. Is 66,10-14c) o objetivo fundamental do
profeta é “consolar” esse Povo martirizado, sofrido, angustiado, que não
vê grandes perspectivas de futuro e já perdeu a esperança. Como é que o
profeta vai “dizer” a mensagem que Deus lhe confiou? Todo o quadro gira
à volta da apresentação de Jerusalém como mãe. Depois de dar à luz o
seu filho (o povo), sem esforço e antes do tempo (cf. Is 66,7), a
mãe/Jerusalém alimenta-o com um leite abundante e reconfortante (cf. Is
66,11). As expressões utilizadas (a referência ao “sugar o leite até à
saciedade”, ao “seio glorioso”) evocam, de forma bem sugestiva, a
imagem da fecundidade, da riqueza, da vida em abundância. Tudo é fácil,
rápido, abundante, pleno. No entanto, o profeta está consciente de que é
Deus que está por detrás desta corrente de vida e de fecundidade que a
mãe/cidade dispensa ao filho/povo. Na “tradução” da imagem, o profeta
põe Deus a fazer chegar à cidade/mãe (para que depois ela distribua pelo
filho/povo) a paz e a riqueza das nações. A paz (“shalom”) exprime aqui
bem mais do que a ausência de guerra: inclui saúde, fecundidade,
prosperidade, amizade com Deus e com os outros; é, portanto, sinónimo de
felicidade total. É isso que Deus quer para o seu Povo e que Se propõe
oferecer-lhe em abundância. Particularmente sugestiva é a forma como se
fala de Deus. Ele é o pai que dá ao filho/povo a vida abundante e plena,
que o acaricia e consola como uma mãe. O profeta propõe ao seu Povo um
Deus que ama e que, em cada dia, vem ao encontro dos homens para lhes
trazer a salvação. Daí o insistente convite à alegria. Esta proposta de
“consolação” vem de Deus e atinge o coração do Povo através da ação e do
testemunho profético. É através do profeta que Deus atua no mundo, que
consola os corações feridos, que revitaliza a esperança, que salva da
morte, que liberta do medo. Todos os batizados são profetas e todos
comungam desta missão. Deus é o pai que dá vida em abundância e a mãe
que acaricia e consola. O insistente convite à alegria feito pelo
profeta atinge-nos também a nós. O medo e a angústia não podem ser os
nossos companheiros de viagem, pois acreditamos no amor e na bondade
desse Deus que nos acompanha, que nos acaricia, que nos consola e que
faz nascer para nós, dia a dia, esse mundo novo de vida plena e
abundante.
Caros irmãos,
A Segunda Leitura (Cf. Gl 6,14-18) São
Paulo começa por denunciar quais os interesses que movem os
“judaízantes” que pregam a circuncisão: eles têm por finalidade evitar a
perseguição (fazendo do cristianismo apenas um ramo do judaísmo e, por
isso, uma “religião lícita” aos olhos do império); além disso, são
pessoas desejosas de se evidenciar, para quem a circuncisão que impõem
aos outros serve para mostrar o sucesso do seu proselitismo (o
“prosélito” era um pagão convertido à observância da fé judaica). Isso
não tem qualquer importância para São Paulo. O único título de glória
que interessa ao apóstolo é a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Falar
da “cruz de Jesus Cristo” é falar do dom total da vida, da entrega de Si
mesmo por amor. Esse (e não a circuncisão ou a prática dos rituais da
Lei de Moisés) é que é o grande objetivo de Paulo e da sua pregação,
pois é a morte para o egoísmo e o nascimento para o amor (cumpridos e
representados na cruz) que fazem surgir o “Homem Novo”, o “Israel de
Deus”, o novo Povo de Deus. Precisamente aqui (vers. 15), São Paulo
inaugura um dos seus temas favoritos, ao qual voltará nas cartas
posteriores: o tema do Homem Novo em Cristo Jesus. Na perspectiva
paulina, a identificação do cristão com o Cristo da cruz – isto é, com o
Cristo do amor total – fará surgir um Homem Novo, liberto do egoísmo e
da preocupação consigo próprio, capaz de amar sem medida. Esse Homem
Novo, imagem de Jesus Cristo, será capaz de superar o pecado e a morte e
de chegar à vida plena, à felicidade total. De resto, o próprio Paulo
luta pessoalmente para chegar a esse objetivo. Aliás, ele já leva “no
seu corpo as marcas de Jesus” (vers. 17). Esta indicação não parece
referir-se à presença no corpo de São Paulo dos sinais físicos da paixão
de Jesus (“estigmas”), mas às cicatrizes reais deixadas pelas feridas
recebidas por São Paulo no exercício do seu apostolado. Na sociedade
greco-romana, cada escravo levava uma marca, como sinal da sua pertença a
um determinado dono; assim, as marcas do seu sofrimento por causa do
Evangelho mostram que Paulo pertence a Cristo, que é propriedade d’Ele:
por elas, São Paulo demonstra a sua vontade de amar, de dar a vida e a
sua pertença inalienável a esse Cristo cujo amor se fez entrega na cruz.
Esta carta é a única em que a palavra “irmãos” aparece na saudação
final (vers. 18): é um grito, ao mesmo tempo de angústia e de
confiança, que apela à comunhão e que manifesta a esperança no
restabelecimento da fraternidade. Como São Paulo, cada batizado é um
enviado a testemunhar o Cristo da cruz – quer dizer, a anunciar a todos
os homens que só no amor radical, no amor até às últimas consequências
se geram vida e nasce o Homem Novo. Este caminho é, no entanto, um
caminho de exigência, pois conduz ao confronto com o pecado, com o
egoísmo, com a injustiça, com a opressão.
Caros irmãos,
A Paz como sinal do Reino! A paz proclamada pelos discípulos não é passiva, mas ativa, reconciliando comunidades e promovendo a justiça. Como cristãos, como podemos ser promotores dessa paz, especialmente em contextos de conflito e injustiça? As leituras de hoje nos convidam a ser portadores de um mundo pacífico que não tolera as injustiças e todas as consequências do ódio tão presente em nossa sociedade atual. Somos testemunhas da nova criação inaugurada por Jesus. Que possamos, como os discípulos enviados por Jesus, proclamar o Reino com simplicidade, coragem e confiança, sempre pautada no respeito às diferentes culturas espalhadas pelo mundo. Inspirados pelo consolo maternal de Deus e pela força da cruz como Projeto, somos chamados a transformar o mundo, sendo sinais de esperança e reconciliação. Que nossas vidas sejam a própria paz e alegria de pertencermos ao Reino de Deus, contribuindo para um mundo mais justo e pleno.
Meus irmãos,
A missão do cristão é evangelizar, anunciando a boa-notícia, o verdadeiro alívio do homem que sinceramente busca o sentido último de sua vida, Deus. Quem anuncia este programa de vida é homem da paz. O homem velho, segundo São Paulo, foi crucificado com a Cruz do Cristo. Para quem é nova criatura em Cristo, surge, como o sol, a paz e a misericórdia de Deus. Benção, paz e misericórdia sobre todo o “Israel de Deus”, por isso lhes desejo com fé: “A paz do Senhor esteja sempre convoco” para que ao sairmos desta celebração possamos viver a missão: “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe”, caros portadores da paz do Cristo! Amém!
Padre Wagner Augusto Portugal
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