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21º Domingo do Tempo Comum – B

 “Inclinai, Senhor, o vosso ouvido e escutai-me; salvai, meu Deus, o servo que confia em vós. Tende compaixão de mim, clamo por vós o dia inteiro.” (Sl 85,1ss)

 

Irmãos e irmãs,

A pergunta da primeira coluna da Igreja – São Pedro – permeia toda a liturgia deste domingo: “A quem iremos, Senhor?” (Jo 6,68a).

Os homens, aqueles que são apegados às coisas mundanas, devem ter muita dificuldade de proclamar e viver que Cristo é o único ponto de referência da criatura humana. Daí a pergunta de Pedro: “A quem iremos, Senhor?”

Ora, para preparar o ânimo e o coração, Jesus multiplicara o pão e os peixes. Este significativo milagre não abriu os olhos e os corações do povo hebreu. Por isso, Jesus procurou dizer-lhe que não é a inteligência que conta, mas somente a fé, que pode ser iniciada pela admiração dos sinais - os milagres -, que se concretiza e cresce na escuta e prática dos ensinamentos de Jesus, completando-se na comunhão de pensamentos, ação e destinos.

O Evangelho de João (Jo 6,60-69) valoriza a dialética. A dialética de hoje nos fala da doutrina proposta por Jesus: ou aceitamos ou não aceitamos o seu Evangelho. Não há outra alternativa.

Por isso, no Evangelho de hoje Jesus nos fala que Ele vem dos céus, que foi enviado pelo Pai. Nós temos que aceitar a autoridade de Jesus, reconhecer nele os ensinamentos que vem do Pai, como novos e verdadeiros, santos e agradáveis ao Onipotente.

O segundo problema relaciona-se com a ressurreição. Os fariseus eram favoráveis à ressurreição, já os saduceus não aceitavam-na.

A terceira problemática estava ligada ao consumo da carne. Havia leis muito rígidas para o consumo de carne de animais. E o que dizer de consumo da carne humana?

A quarta problemática se relaciona com a impossibilidade de se beber sangue. A Lei de Moisés era de extremo rigorismo para quem consumisse sangue, conforme ensinamento de Levítico (17,10-14).

 

Meus queridos irmãos,

Estamos diante de um escândalo: temos que aceitar, ou não, somente a Eucaristia, mas o mistério de Cristo, Filho de Deus, igual ao Pai, tornado Messias pelo envio do Pai e encarnado no seio da Bem-aventurada Virgem Maria por obra e graça do Espírito Santo, para ser o salvador único de todas as criaturas.

Jesus foi totalmente benevolente com aqueles que estavam duvidando de sua divindade. Ele mesmo disse que aquele que descera do céu subirá novamente ao céu.

O evangelista João usa e abusa da dialética no Evangelho de hoje: espírito versus carne. Carne hoje significa o raciocínio humano, insuficiente para entrar no mistério de Deus, muito mais amplo, que necessita de adesão, de acolhida, de profunda fé e adesão irrestrita, longe das diatribes humanas. Por isso, o espírito é colocado como horizonte infinito da vida, exatamente a vida que Jesus oferecia aos ouvintes e que ele chamou de vida eterna, de vida junto de Deus, nada que o humano possa explicar, mas deve crer, para ter o doce acesso de salvação.

A fé no Evangelho de hoje nos é proposta. A fé não se aprende pelo intelecto, mas pela adesão, pelo SIM INCONDICIONAL.

Que todos nós possamos com Pedro fazer a mais completa profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós Cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 68-69). Jesus mesmo nos transmite esse espírito e sua exaltação é a fonte desse dom. Suas palavras são espírito e vida. Só entregando-nos à sua palavra poderemos experimentar que ele é fiel. Ou melhor, o espírito que há de superar o que nossas categorias humanas recusavam vem do próprio objeto de nosso escândalo. È essa opção que Pedro pronuncia, vendo a insuficiência de qualquer outra solução: “A quem iremos?”

 

Prezados fiéis,

No Evangelho de hoje (Jo 6,60-69), diante desse “não”, Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra, nesta perícope, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem, pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para com os irmãos que seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes, que conduzem a sua vida de acordo com valores e critérios diferentes dos nossos. Essa “divergência” de perspectivas e de caminhos não pode, em nenhuma circunstância, afastar-nos do irmão ou servir de pretexto para o marginalizarmos e para o excluirmos do nosso convívio.

Com categorias “carnais” não chegamos a essa outra visão sobre a “carne” em que veio a nós a Palavra. Precisamos de um impulso superior. O “Espírito”, a força operante de Deus, levar-nos-á a acolher o mistério do escravo glorificado. Jesus mesmo nos transmite esse Espírito (cf. Jo 3,34) e sua “exaltação” é a fonte desse dom (cf. 7,39). Suas palavras são “espírito e vida” – Espírito que dá vida (cf. 6,68; 6,63). Só nos entregando à sua palavra e a aplicando em nossa vida poderemos experimentar que ele é fidedigno. O “espírito”, que há de superar o que nossas categorias humanas recusam, vem do próprio “objeto” de nosso escândalo: a Palavra de Deus “encarnada”. Seu Espírito penetra em nós não como conclusão de um teorema, mas como consequência de arriscada decisão e opção. É essa opção que Pedro pronuncia, vendo a insuficiência de qualquer outra solução: “A quem iríamos? Tu tens palavras de vida eterna”.

 

Caros irmãos,

 

A primeira leitura (Js 24,1-2a.15-17.18b) também ilumina o Evangelho: a escolha entre um Deus que provou seu amor e fidelidade e deuses que devem sua existência aos mitos que os homens criam em redor deles. Essa opção se apresenta a nós também no dia de hoje: optaremos por aquele que deu a vida em todos os sentidos, plenamente, ou pelos ídolos pelos quais tão facilmente damos nossa vida, sem deles recebermos a gratificação que prometem. O que vale: a fidelidade a Deus e ao seu projeto, ou a beleza física, o dinheiro, o poder, o sexo desvairado, o hedonismo, as vicissitudes humanas do efêmero?

Israel aceitou “servir o Senhor” e comprometer-se com Ele, não por obrigação, mas pela convicção de que era esse o caminho para a sua felicidade. Por vezes, Deus é visto como um concorrente do homem e os seus mandamentos como uma proposta que limita a liberdade e a independência do homem… Na verdade, o compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não é um caminho de servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira liberdade e à sua realização plena. O caminho que Deus nos propõe – caminho que somos livres de aceitar ou não – é um caminho que nos liberta do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos projeta para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para a verdadeira felicidade.

 

Caros irmãos,

A segunda leitura (Ef 5,21-32), por fim, vem nos falar do amor conjugal, sobretudo nestes tempos hedonistas em que o caráter santificante do amor conjugal e familiar é praticamente desconsiderado, desleixado e, mais do que isso, relativizado.

Seria excelentemente profundo que esta mensagem paulina fosse para os fiéis um reenvio para a missão familiar, para nossos casais, para que possam levar a sério esta opção que é de Jesus, que é da Igreja, porque a vivência do matrimônio nos leva também a refletir com Pedro: “A quem iremos, Senhor?”

São Paulo tem presente que o amor que une o marido e a esposa deve ser um amor como o de Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto, estar ausentes quaisquer sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de injustiça. Deve ser um amor que se faz doação total ao outro, que é paciente, que não é arrogante nem orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos outro, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13,4-7). São Paulo ensina que o amor que une a esposa e o marido deve ser um amor que se faz serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão de um a outro, mas trata-se de pedir que os batizados manifestem total disponibilidade para servir e para dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de seguir o exemplo de Cristo que não veio para afirmar a sua superioridade e para ser servido, mas para servir e dar vida. O matrimônio cristão não pode tornar-se uma competição para ver quem tem mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida de pessoas que, a exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e um serviço a todos os irmãos que caminham ao seu lado.

 

Caros irmãos,

Encontramo-nos sempre diante de escolhas na vida. Sejam coisas simples, como escolher uma roupa, uma refeição ou um lugar para ir, sejam eleições mais complexas, como um estado de vida, uma profissão ou uma decisão que compromete a vida de muitos. Qualquer que seja a opção, é preciso ponderar, refletir, discernir e optar pelo melhor.

Josué propõe a fé em Deus em oposição à busca dos deuses dos outros povos. Efésios apresenta o amor de Cristo pela Igreja como modelo de amor entre os esposos e de outras relações humanas. No Evangelho, Jesus proporciona a seus seguidores a oportunidade de um discernimento: seguir suas palavras duras ou abandonar essa proposta. Hoje somos confrontados. Que escolhas precisamos fazer na vida?

Às vezes, precisamos deixar algumas coisas, alguns costumes, algumas atitudes. Outras vezes, precisamos buscar algo, agir em determinada direção ou mudar o rumo da vida. A liturgia propõe como critério a vontade do Senhor, seu amor, suas palavras de vida eterna. Quando encontramos essa beleza, podemos ir adiante.

A opção pelo que Deus inspira tira-nos do comodismo e desloca-nos para algo maior e melhor em nossa vida e na vida dos outros. Nem sempre temos tudo tão claro. Entretanto, se a convicção de fé nos faz perceber o apelo de Deus, podemos seguir em frente, pois em algum momento compreenderemos.

 

 

Meus estimados irmãos,

O seguimento de Jesus é exigente. Ele nos convida a sermos discípulos convictos, dispostos a segui-Lo, se necessário for morrendo até na Cruz pelo Reino. A fé nasce de um encontro afetivo e efetivo, de um encantamento que nos leva a um compromisso de vida com Cristo, por Cristo e em Cristo e com todos os homens e mulheres de boa vontade, os seus prediletos, os pequeninos: excluídos e marginalizados.

A verdadeira dificuldade para colocar o Evangelho de hoje em pratica é a auto-suficiência. Despojando-nos de nosso orgulho poderemos nos entregar a uma comunidade reunida por Nosso Senhor para segui-lo pelo caminho da doação total. Doação total que queremos manifestar na gratidão a todos os catequistas, relembrados e festejados neste dia, o seu dia.

No seu trabalho silencioso e competente de evangelizadores, queremos DAR GRAÇAS A DEUS! Assim poderemos repetir a mais bela profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. Amém!

 

Padre Wagner Augusto Portugal


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