Irmãos e irmãs,
A pergunta da primeira coluna da Igreja – São Pedro –
permeia toda a liturgia deste domingo: “A quem iremos, Senhor?” (Jo 6,68a).
Os homens, aqueles que são apegados às coisas mundanas,
devem ter muita dificuldade de proclamar e viver que Cristo é o único ponto de
referência da criatura humana. Daí a pergunta de Pedro: “A quem iremos, Senhor?”
Ora, para preparar o ânimo e o coração, Jesus multiplicara
o pão e os peixes. Este significativo milagre não abriu os olhos e os corações
do povo hebreu. Por isso, Jesus procurou dizer-lhe que não é a inteligência que
conta, mas somente a fé, que pode ser iniciada pela admiração dos sinais - os
milagres -, que se concretiza e cresce na escuta e prática dos ensinamentos de
Jesus, completando-se na comunhão de pensamentos, ação e destinos.
O Evangelho de João (Jo 6,60-69) valoriza a dialética. A dialética de hoje nos fala da doutrina
proposta por Jesus: ou aceitamos ou não aceitamos o seu Evangelho. Não
há outra alternativa.
Por isso, no Evangelho de hoje Jesus nos fala que Ele vem
dos céus, que foi enviado pelo Pai. Nós temos que aceitar a autoridade de
Jesus, reconhecer nele os ensinamentos que vem do Pai, como novos e
verdadeiros, santos e agradáveis ao Onipotente.
O segundo problema relaciona-se
com a ressurreição. Os fariseus eram
favoráveis à ressurreição, já os saduceus não aceitavam-na.
A terceira problemática estava
ligada ao consumo da carne. Havia leis muito
rígidas para o consumo de carne de animais. E o que dizer de consumo da carne
humana?
A quarta problemática se relaciona
com a impossibilidade de se beber sangue. A Lei
de Moisés era de extremo rigorismo para quem consumisse sangue, conforme
ensinamento de Levítico (17,10-14).
Meus queridos irmãos,
Estamos diante de um escândalo: temos que aceitar, ou não, somente a Eucaristia, mas o
mistério de Cristo, Filho de Deus, igual ao Pai, tornado Messias pelo envio do Pai
e encarnado no seio da Bem-aventurada Virgem Maria por obra e graça do Espírito
Santo, para ser o salvador único de todas as criaturas.
Jesus foi totalmente benevolente com aqueles que estavam
duvidando de sua divindade. Ele mesmo disse que aquele que descera do céu
subirá novamente ao céu.
O evangelista João usa e abusa da dialética no Evangelho de
hoje: espírito versus carne. Carne hoje significa o raciocínio humano,
insuficiente para entrar no mistério de Deus, muito mais amplo, que necessita
de adesão, de acolhida, de profunda fé e adesão irrestrita, longe das diatribes
humanas. Por isso, o espírito é colocado como horizonte infinito da vida,
exatamente a vida que Jesus oferecia aos ouvintes e que ele chamou de vida
eterna, de vida junto de Deus, nada que o humano possa explicar, mas deve crer,
para ter o doce acesso de salvação.
A fé no Evangelho de hoje nos é
proposta. A fé não se aprende pelo intelecto,
mas pela adesão, pelo SIM INCONDICIONAL.
Que todos nós possamos com Pedro fazer a mais completa
profissão de fé: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós Cremos
firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 68-69).
Jesus mesmo nos transmite esse espírito e sua exaltação é a fonte desse dom.
Suas palavras são espírito e vida. Só entregando-nos à sua palavra poderemos
experimentar que ele é fiel. Ou melhor, o espírito que há de superar o que
nossas categorias humanas recusavam vem do próprio objeto de nosso escândalo. È
essa opção que Pedro pronuncia, vendo a insuficiência de qualquer outra
solução: “A
quem iremos?”
Prezados
fiéis,
No Evangelho de hoje (Jo 6,60-69), diante desse “não”,
Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas respeita absolutamente
a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra, nesta perícope, o
respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem, pelas dificuldades
que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos diferentes que o homem
escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o homem, que o trata como
adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à liberdade. Por outro lado, um
Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar mostras de misericórdia, de
respeito e de compreensão para com os irmãos que seguem caminhos diferentes,
que fazem opções diferentes, que conduzem a sua vida de acordo com valores e
critérios diferentes dos nossos. Essa “divergência” de perspectivas e de
caminhos não pode, em nenhuma circunstância, afastar-nos do irmão ou servir de
pretexto para o marginalizarmos e para o excluirmos do nosso convívio.
Com categorias “carnais” não chegamos a essa outra visão
sobre a “carne” em que veio a nós a Palavra. Precisamos de um impulso superior.
O “Espírito”, a força operante de Deus, levar-nos-á a acolher o mistério do
escravo glorificado. Jesus mesmo nos transmite esse Espírito (cf. Jo 3,34) e
sua “exaltação” é a fonte desse dom (cf. 7,39). Suas palavras são “espírito e
vida” – Espírito que dá vida (cf. 6,68; 6,63). Só nos entregando à sua palavra
e a aplicando em nossa vida poderemos experimentar que ele é fidedigno. O
“espírito”, que há de superar o que nossas categorias humanas recusam, vem do
próprio “objeto” de nosso escândalo: a Palavra de Deus “encarnada”. Seu
Espírito penetra em nós não como conclusão de um teorema, mas como consequência
de arriscada decisão e opção. É essa opção que Pedro pronuncia, vendo a
insuficiência de qualquer outra solução: “A quem iríamos? Tu tens palavras de
vida eterna”.
Caros irmãos,
A primeira leitura (Js 24,1-2a.15-17.18b) também ilumina o
Evangelho: a escolha entre um Deus que provou seu amor e fidelidade e deuses
que devem sua existência aos mitos que os homens criam em redor deles. Essa
opção se apresenta a nós também no dia de hoje: optaremos por aquele que deu a
vida em todos os sentidos, plenamente, ou pelos ídolos pelos quais tão
facilmente damos nossa vida, sem deles recebermos a gratificação que prometem.
O que vale: a fidelidade a Deus e ao seu projeto, ou a beleza física, o
dinheiro, o poder, o sexo desvairado, o hedonismo, as vicissitudes humanas do
efêmero?
Israel aceitou “servir o Senhor” e comprometer-se com Ele,
não por obrigação, mas pela convicção de que era esse o caminho para a sua
felicidade. Por vezes, Deus é visto como um concorrente do homem e os seus
mandamentos como uma proposta que limita a liberdade e a independência do
homem… Na verdade, o compromisso com Deus e a aceitação das suas propostas não
é um caminho de servidão, mas um caminho que conduz o homem à verdadeira
liberdade e à sua realização plena. O caminho que Deus nos propõe – caminho que
somos livres de aceitar ou não – é um caminho que nos liberta do egoísmo, do
orgulho, da auto-suficiência, da escravidão dos bens materiais e que nos
projeta para o amor, para a partilha, para o serviço, para o dom da vida, para
a verdadeira felicidade.
Caros irmãos,
A segunda leitura (Ef 5,21-32), por fim, vem nos falar do
amor conjugal, sobretudo nestes tempos hedonistas em que o caráter santificante
do amor conjugal e familiar é praticamente desconsiderado, desleixado e, mais
do que isso, relativizado.
Seria excelentemente profundo que esta mensagem paulina fosse
para os fiéis um reenvio para a missão familiar, para nossos casais, para que
possam levar a sério esta opção que é de Jesus, que é da Igreja, porque a vivência
do matrimônio nos leva também a refletir com Pedro: “A quem iremos, Senhor?”
São Paulo tem presente que o amor que une o marido e a esposa
deve ser um amor como o de Cristo pela sua Igreja. Desse amor devem, portanto,
estar ausentes quaisquer sinais de egoísmo, de prepotência, de exploração, de
injustiça. Deve ser um amor que se faz doação total ao outro, que é paciente,
que não é arrogante nem orgulhoso, que compreende os erros e as falhas dos
outro, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor
13,4-7). São
Paulo ensina que o amor que une a esposa e o marido deve ser um amor que se faz
serviço simples e humilde. Não se trata de exigir submissão de um a outro, mas trata-se
de pedir que os batizados manifestem total disponibilidade para servir e para
dar a vida, sem esperar nada em troca. Trata-se de seguir o exemplo de Cristo
que não veio para afirmar a sua superioridade e para ser servido, mas para
servir e dar vida. O matrimônio cristão não pode tornar-se uma competição para
ver quem tem mais direitos ou mais obrigações, mas uma comunhão de vida de
pessoas que, a exemplo de Cristo, fazem da sua existência uma partilha e um
serviço a todos os irmãos que caminham ao seu lado.
Caros irmãos,
Encontramo-nos
sempre diante de escolhas na vida. Sejam coisas simples, como escolher uma
roupa, uma refeição ou um lugar para ir, sejam eleições mais complexas, como um
estado de vida, uma profissão ou uma decisão que compromete a vida de muitos.
Qualquer que seja a opção, é preciso ponderar, refletir, discernir e optar pelo
melhor.
Josué propõe a fé
em Deus em oposição à busca dos deuses dos outros povos. Efésios apresenta o
amor de Cristo pela Igreja como modelo de amor entre os esposos e de outras
relações humanas. No Evangelho, Jesus proporciona a seus seguidores a
oportunidade de um discernimento: seguir suas palavras duras ou abandonar essa
proposta. Hoje somos confrontados. Que escolhas precisamos fazer na vida?
Às vezes,
precisamos deixar algumas coisas, alguns costumes, algumas atitudes. Outras
vezes, precisamos buscar algo, agir em determinada direção ou mudar o rumo da
vida. A liturgia propõe como critério a vontade do Senhor, seu amor, suas
palavras de vida eterna. Quando encontramos essa beleza, podemos ir adiante.
A opção pelo que
Deus inspira tira-nos do comodismo e desloca-nos para algo maior e melhor em
nossa vida e na vida dos outros. Nem sempre temos tudo tão claro. Entretanto,
se a convicção de fé nos faz perceber o apelo de Deus, podemos seguir em
frente, pois em algum momento compreenderemos.
Meus estimados irmãos,
O seguimento de Jesus é exigente. Ele nos convida a sermos
discípulos convictos, dispostos a segui-Lo, se necessário for morrendo até na
Cruz pelo Reino. A fé nasce de um encontro afetivo e efetivo, de um
encantamento que nos leva a um compromisso de vida com Cristo, por Cristo e em
Cristo e com todos os homens e mulheres de boa vontade, os seus prediletos, os
pequeninos: excluídos e marginalizados.
A verdadeira dificuldade para colocar o Evangelho de hoje
em pratica é a auto-suficiência. Despojando-nos de nosso orgulho poderemos nos
entregar a uma comunidade reunida por Nosso Senhor para segui-lo pelo caminho
da doação total. Doação total que queremos manifestar na gratidão a todos os
catequistas, relembrados e festejados neste dia, o seu dia.
No seu trabalho silencioso e competente de evangelizadores,
queremos DAR GRAÇAS A DEUS! Assim poderemos repetir a mais bela profissão de
fé: “A quem
iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e
reconhecemos que tu és o Santo de Deus”. Amém!
Padre Wagner Augusto Portugal
Comentários
Postar um comentário