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Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, C.

 


“O Senhor alimentou seu povo com a flor do trigo e com o mel do rochedo o saciou” (cf. Sl. 80,17).



Meus queridos irmãos e irmãs,

A Eucaristia faz a Igreja e a Igreja faz a Eucaristia. A Eucaristia é, para nós, dom de Cristo dado à sua comunidade. O distintivo dos primeiros cristãos era a refeição comunitária. O gesto de Jesus, reunindo o povo no deserto e providenciando milagrosamente pão para todos, é símbolo da Igreja. Jesus quis permanecer presente na Igreja no sinal da refeição aberta a todos que a Ele aderissem – muito diferente daqueles banquetes nos quais geralmente se convidam pessoas da mesma classe, ou aquelas que podem pagar pela refeição.

Assim, entre os anseios mais antigos do povo de Deus está o sentimento de libertação dos pecados e de tudo o que é consequência do pecado. Com a vinda de Jesus, Filho de Deus, que assumiu a nossa humanidade, a mesma carne castigada pelo pecado, com a qual todos nos defrontamos, foi assumida por Cristo – com exceção do pecado. Assim nos ensina São João: “O Filho de Deus fez-se carne e veio habitar entre nós. Nós vimos sua glória, a glória que ele, Filho único, recebeu do Pai, e era cheio de graça e de verdade” (cf. Jo 1,14).

Jesus nos ensinou a partilhar e a tomar refeição em comum: essa era sua prática — assentar-se com seus discípulos e apóstolos, com pescadores e publicanos — num tempo em que estar à mesa era sinal de amizade e benevolência, partilha fraterna de ideias, divisão de problemas e alegrias.

O banquete eucarístico é um banquete destinado a todos, em que o próprio Deus serve seus convidados, inclusive aqueles que a Lei do Antigo Testamento excluía do convívio humano, como cegos, aleijados, coxos e ignorantes.

Jesus escolheu a ceia para dar à criatura humana um alimento de vida eterna, um elemento de unidade com Deus, uma garantia de santificação e de glorificação.

Caros irmãos,

A Primeira Leitura desta festa é retirada do Livro do Gênesis (cf. Gn 14,18-20), em que Melquisedec oferece pão e vinho. Melquisedec, rei de Salém, é sacerdote do Deus Altíssimo. Reconhece Deus como criador do céu e da terra. Oferece-lhe os mais nobres dons: pão e vinho — sustento cotidiano do homem — e depois os oferece a Abraão, seu hóspede. Como rei e sacerdote, Melquisedec prefigura Cristo; sendo não judeu, significa a salvação universal. Seus dons de pão e vinho encontram seu pleno sentido na Ceia e no Sacrifício de Cristo e da Igreja, o sacrifício sem fim, “do levantar ao pôr do sol”.

Observamos que o Antigo Testamento está repleto de sacrifícios sangrentos. A primeira leitura apresenta, entretanto, um sacrifício sem qualquer efusão de sangue. Melquisedec, rei e sacerdote, oferece diante de Abraão pão e vinho. Os cristãos reconheceram nesse gesto um anúncio da Eucaristia, muitas vezes representado em pinturas e vitrais das igrejas, junto ao altar. Reconhecemos, também, neste antigo episódio, um traço da pedagogia divina, que continuamente provocava seu povo a purificar suas práticas sacrificiais, preparando-o para acolher a ação definitiva do seu Filho.

Caros irmãos,

A Segunda Leitura (cf. 1Cor 11,23-26) nos apresenta o memorial da morte de Cristo. Trata-se do mais antigo testemunho da celebração da Última Ceia, mencionado por Paulo ao criticar os abusos dos coríntios nessa celebração, como a humilhação dos membros pobres da comunidade. É impossível ter comunhão com Cristo sacrificado enquanto desprezamos seus irmãos. O sacramento nos recorda o Senhor morto e ressuscitado, até que Ele venha; então nos julgará conforme nossa doação aos irmãos, especialmente aos mais humildes.

Se não respeitamos seu “corpo”, que é a comunidade, a participação eucarística em seu Corpo e Sangue da cruz significa a nossa própria condenação. O que os Apóstolos nos dizem da Eucaristia está nestas breves linhas da carta de São Paulo. O Apóstolo nos dá indicações importantes: refere-se, em primeiro lugar, à tradição que ele mesmo recebeu, e esta tradição vem do próprio Senhor, que deu a ordem: “Fazei isto em memória de mim”. Indica, em seguida, que esta celebração está integrada numa refeição, como a fração do pão na Última Ceia e as refeições do Ressuscitado com os seus discípulos, em Emaús e em Jerusalém. Esta refeição nos coloca em atitude de esperança, sempre na expectativa do retorno de nosso Mestre, Jesus Cristo, nosso Deus e Senhor.

Caros fiéis,

O Evangelho desta festa (Lc 9,11b-17) nos apresenta Jesus saciando as multidões. Ao fazê-lo, Jesus manifesta duas qualidades divinas: poder e bondade. O Reino de Deus está presente. Ele leva à plenitude os gestos de Deus no Antigo Testamento. Menos ainda do que no deserto, Deus deixa seu povo sem pão. Ao descrever o sinal do pão, Lucas pensa na Eucaristia: os discípulos distribuem o pão sobre o qual Jesus pronunciou a ação de graças – a Eucaristia – na Última Ceia.

Irmãos e irmãs,

O alimento da vida eterna que Jesus nos oferece é seu próprio Corpo e Sangue: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” (cf. Jo 6,54). O elemento de unidade com Deus é sua pessoa encarnada, misteriosamente presente no pão e no vinho eucarísticos: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele... e como eu vivo, assim também quem me come viverá por mim” (cf. Jo 6,57-58). A garantia de santificação e glorificação é o próprio Cristo, Deus-Homem e Homem-Deus: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu... o pão que eu darei é a minha carne para a salvação do mundo” (cf. Jo 6,51).

Com Santo Agostinho, podemos hoje exclamar: “No sangue de Cristo saturou-se nosso sangue; e no sangue de Cristo revigorou-se nosso corpo”. Celebramos, assim, a grande festa de hoje: a festa desse Corpo e desse Sangue Santíssimos. Festa que não é apenas de Cristo, porque já vivemos enxertados n’Ele e alimentados pela Santa Eucaristia que recebemos na Missa.

É na Eucaristia que a Igreja se ancora em Cristo, como o navio no porto. É nela que a Santa Igreja Católica atinge seu significado maior de comunidade e de sacramento de salvação. É em torno da Eucaristia que o povo de Deus se reúne esperançoso e alegre para alimentar-se na grande caminhada de retorno à Casa do Pai.

A Eucaristia – já anunciava o Concílio Ecumênico Vaticano II – é a fonte e o ápice de toda a vida cristã. E mais: no documento Presbyterorum Ordinis, afirma-se que a Eucaristia é a raiz e o centro da comunidade, o conteúdo de todos os bens da Igreja, porque nela está contido o próprio Cristo, nossa Páscoa e pão vivo, que dá vida por meio de sua carne vivificada e vivificante (cf. Presbyterorum Ordinis, 5).

A Eucaristia é o maior sacramento da Igreja; por isso mesmo, é chamada de augusto e santíssimo sacramento. A festa de hoje está intimamente ligada à festa da Instituição da Eucaristia, na Quinta-feira Santa, unindo Cenáculo, Calvário e Altar. É o mesmo mistério que celebramos. O que talvez mude seja apenas o clima da celebração: na Quinta-feira Santa pesava a advertência de Paulo — “Na noite em que foi traído...” (cf. 1Cor 11,23) — e, sobretudo, a previsão do drama da Sexta-feira Santa. Hoje, tudo é alegria, louvor, adoração e agradecimento. Na Quinta-feira Santa, Jesus foi levado amarrado como criminoso às autoridades judaicas e romanas. Hoje, nós o levamos triunfalmente pelas ruas da cidade, como nosso Rei, Pastor e Senhor.

Por conseguinte, a festa do Corpo e do Sangue de Cristo é repleta de significados especiais: cremos em Jesus, Filho de Deus, que continua em nosso meio e que nos chama a ser seu corpo místico na terra. Vamos, pois, adorá-lo de joelhos nos altares e nas praças públicas, com júbilo, admiração e doce agradecimento por essa profunda comunhão com Deus.

Comunhão que é o contrário de divisão. Comunhão que é partilha. Comunhão que nos faz um só corpo em Cristo, uma só Igreja, uma só comunidade de fiéis, porque uma só é a comunhão com Deus.

Irmãos e irmãs,

A multiplicação dos pães é sinal messiânico, sinal dos tempos em que tudo se realizará conforme o desejo e a vontade de Deus, sinal do Reino: fartura e comunhão. Mas é ainda prefiguração. A refeição à beira do lago da Galileia se tornará completa somente quando Jesus der seu próprio Corpo e Sangue, na cruz. Então, já não será passageira; será realidade definitiva, no sacramento confiado à Igreja. Este é também o sentido profundo que a Igreja vê no misterioso pão e vinho oferecidos por Melquisedec, a quem o pai Abraão presta reverência, como nos ensina a Primeira Leitura.

A Eucaristia deve ser, então, o verdadeiro banquete messiânico, sinal dos tempos novos e definitivos, em que as divisões e provações humanas sejam superadas, na vida de fé em Cristo Jesus. A desigualdade gritante e deprimente, o escândalo dos super-ricos ao lado de pobres famintos, a marginalização – tudo isso é incompatível com a Eucaristia, como nos ensina a Segunda Leitura.

Na Santa Eucaristia, Cristo identifica a comida partilhada com sua própria vida e pessoa. O pão repartido torna-se presença de Cristo. Onde não se reparte o pão, Cristo não pode estar presente.

Na multiplicação dos pães, Jesus não fez descer pão do céu como o maná de Moisés, nem transformou pedras em pão, como sugerira o demônio nas tentações do deserto. Ao contrário, ordenou aos discípulos: “Vós mesmos, dai-lhes de comer...” – e o pão não faltou. Mas se não observarmos essa ordem de Jesus e não dermos de comer aos nossos irmãos, Ele também não poderá tornar-se presente em nosso dom. Então, não só o pão faltará, mas o próprio Cristo estará ausente.

Caros fiéis,

O evangelista Lucas nos ensina que Jesus, depois de falar do Reino de Deus às multidões e curar os que sofriam, multiplicou cinco pães e dois peixes para não despedir faminta tanta gente. O evangelista João aplica diretamente à Eucaristia esse milagre de Cristo — a primeira multiplicação dos pães (cf. Jo 6) — como “sinal”.

Satisfazer uma multidão faminta pode também recordar aos cristãos a ordem de Jesus: “Fazei isto em memória de mim”.

Comungar é ser alimentado pela vida de Jesus, enriquecido por suas próprias forças, capacitado por seu amor. Do mesmo modo que comemos para viver, comungamos na Eucaristia para viver como discípulos de Jesus.

A Eucaristia é verdadeiramente “vital” para nós? Se não for, talvez um período de “jejum eucarístico”, um tempo de retiro espiritual, possa ajudar a redescobrir a grandeza deste sacramento. Se for, então, rezemos por aqueles que são privados da Eucaristia e sofrem...

Padre Wagner Augusto Portugal

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