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Sagrado Coração de Jesus, C.



"Eis os pensamentos do seu Coração, que permanecem ao longo das gerações: libertar da morte todos os homens e conservar-lhes a vida em tempo de penúria"(Cf. Sl 32,11.19).

Jesus é o Bom Pastor! O Bom Pastor que conduz as suas ovelhas ao “aprisco do Senhor!”. Na solenidade que celebramos hoje Deus cuidará dos pequeninos e dos fracos como um dedicado Pastor, ou como nos ensina o Papa Francisco, nós somos chamados a nos empenhar nas periferias para ir ao encontro das ovelhas.

Caros fiéis,

            Na primeira leitura (Ez 34,11-16) Ezequiel retoma no capítulo 34 de seu livro o tema de Jeremias 23,1-6 e censura aos pastores, reis e chefes do povo, os crimes e depois anuncia que ele mesmo será o pastor do seu povo. Na realidade, à volta do exílio não há mais um rei, mas a teocracia.

            Estamos diante de um povo mal governado, indefeso e com fome. Esses males sociais são encobertos e são sufocados aqueles que ousam denunciar este quadro social. Aqui está o rebanho explorado pelos que deveriam ser seu guia e a sua defesa. Deus faz saber, pelos lábios de Ezequiel, que irá cuidar ele mesmo do seu povo, como um pastor dedicado, um pastor prudente, que reunirá as ovelhas dispersas, que chamará todas as ovelhas pelo nome, uma a uma; que garantirá boas e abundantes pastagens, bem como repouso seguro para cada uma das ovelhas e que as vigiará de todo mal, de toda maldade, dos lobos que querem devorá-la.

A primeira leitura – Ez 34,11-16 – nos ensina que Deus é o “bom pastor”, por isso implica falar de um Deus com o coração cheio de amor, que em todos os instantes está presente nos caminhos da nossa história, luta ao nosso lado contra tudo o que oprime e escraviza, aponta horizontes de esperança àqueles que andam perdidos, cuida de todos aqueles que a vida magoou e feriu, oferece a todos a vida e a salvação e proclama a misericórdia generosa do Pai. Neste dia do Coração de Jesus, somos convidados a contemplar o amor e a ternura do Pastor/Deus que se derramam sobre todos os homens e, de forma especial, sobre os pobres, os oprimidos, os excluídos. A imagem do “bom pastor” é posta, nesta leitura, em contraste com os “maus pastores” (os líderes), os quais, procurando apenas “apascentar-se a si próprios”, conduziram o Povo e a nação por caminhos de egoísmo e de morte. A primeira leitura nos convida a não colocar a nossa esperança e a nossa segurança em mãos humanas, pois só Deus é o “bom pastor” em quem podemos encontrar a vida em plenitude.

            A imagem apresenta o Bom Pastor, que é Deus, que cuida com desvelo de seu povo, para salvá-lo das explorações dos que o oprimem em lugar de governá-lo com candura e sabedoria. O autêntico governante é aquele que, a exemplo do Bom Pastor, é manso e humilde de coração. A cena é uma admoestação, uma mensagem de como deve agir quem, em qualquer grau ou modo, é colocado como guia dos outros. Do “rebanho” bem conduzido e apascentado ergue-se o canto de agradecimento ao seu pastor.

Prezados irmãos,

            A segunda leitura retirada da Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 5,5b-11). Antes de sermos justificados éramos enfermos, ímpios, pecadores e inimigos de Deus. E que fez Deus por nós mediante a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo? Reconciliou-nos consigo, tornou-nos justos, deu-nos a paz e a possibilidade de chegarmos a Ele, uma inabalável esperança e o seu amor pelo dom Espírito Santo Paráclito.

            Deus nos amou porque éramos pecadores. Cristo morreu pelos pecadores. Jesus morreu por causa da humanidade pecadora. Por isso Deus nos deu uma prova de amor, porque Nosso Senhor Jesus Cristo morreu precisamente quando os homens eram pecadores; morreu para libertá-los do pecado. Cristo "ressuscitou" para comunicar-nos a sua vida. Cabe a cada um de nós dar a resposta ao gesto de doação de Cristo por nós.

O cristão não está fadado ao fracasso. Isso porque ele tem consciência do amor de Deus e que, com o coração cheio da alegria do Evangelho e da esperança cristã, sente a necessidade de testemunhar aos homens, mais com gestos do que com palavras, esse amor. A consciência do amor de Deus nos dá a coragem de enfrentar o mundo e de, no seguimento de Jesus, fazer da vida um dom de amor. O cristão não teme o confronto com a injustiça, com a perseguição, com a morte: tudo isso é secundário, perante o Deus que nos ama e que nos desafia a amar sem medida. Enfrente quem enfrentar, o que importa ao crente é ser, no mundo, um sinal vivo do amor de Deus.

            Prezados fiéis,

            O Evangelho desta solenidade (cf. Lc 15,3-7). O Evangelho de hoje é considerado aquele que converteu maior número de pecadores. É o doce convite à alegria ou o cântico de alegria no céu pelo pecador que volta ao bom caminho. São três parábolas. As duas primeiras parábolas, a da ovelha, que lemos hoje, e a da moeda perdia, descrevem a solicitude de Deus que vai em busca do que estava perdido. A terceira parábola, que talvez seja melhor chamá-la de “a parábola do Pai Misericordioso” coloca em relevo a paciência de Deus, que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva.

            A maior vingança de Deus é o seu amor dilatado por cada ser vivente. Do Coração de Jesus emana um amor que se derrama exatamente aonde há mais miséria, vai em busca de quem o abandonou, o ultrajou e o traiu. Só Deus sabe avaliar o mal que é o pecado, e só ele, que é extremamente bondade e tudo pode, quer e pode libertar-nos do pecado, do mal e da miséria humana.

            Jesus se alegra ao encontrar a ovelha perdida e ele mesmo dá a sentença do que é a graça do seguimento cristão: “Assim haverá mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15, 7).

            Vamos nos alegrar pela conversão do pecador que brota do Coração aberto de Cristo! “É o amor que se alegra em salvar, se alegra por ter salvo. Assim é o amor de Deus que se encarnou em Cristo”.

Prezados irmãos,

“Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la?” (Lc 15,4).

Hoje, a liturgia nos dá a graça de celebrarmos os perdidos que foram encontrados ou reencontrados pela graça de Deus.

O capítulo 15 do Evangelho segundo Lucas nos apresenta essa realidade: a ovelha que se perde, a moeda que se perde e o filho que se perde. Mas qualquer uma das três coisas, quando é reencontrada traz, um sentido novo.

A ovelha, tão importante para o pastor, perde-se nos “pastos” da vida. O pastor deixa as noventa e nove ovelhas para ir buscar aquela única que se perdeu. E que alegria ao coração encontrar aquela ovelha que havia se perdido!

A mesma coisa a mulher que tem dez moedas de prata: se ela perde uma só, deixa no cantinho as outras nove moedas e vai atrás daquela única, porque ela é muito importante. E que alegria ao encontrá-la de volta!

E de uma forma mais profunda, o Pai, que perde um só dos Seus filhos, que parte para longe, abandonando a casa d’Ele para viver uma vida de perdido, dissoluta nesse mundo de meu Deus. O Pai espera ansioso, com o coração aberto que esse filho volte. E quando esse filho volta… Que alegria! Que festa!

Hoje, nós queremos fazer festa com todos aqueles que estão voltando para a casa de Deus, que estão procurando o caminho da vida e encontram em Deus o sentido para a sua existência. Como devemos acolhê-lo, meus irmãos? Como devemos abrir o nosso coração para celebrar a volta daquele que se perdeu em algum caminho da vida? Quando olhamos para nossa própria história, quem de nós não se confunde no caminho? Quem de nós não acaba sendo um pouquinho mais, um pouquinho menos “pródigo” na vida e, por sentir-se revoltado e abandonado, corre, muitas vezes, para longe do Pai?

Não se esqueça: o Pai nunca se cansa. Ele nunca desiste de nós, está sempre de braços abertos nos esperando com o Seu amor. Se por algum motivo você está longe da casa de Deus, dos Seus braços, aprenda, tome consciência e tenha a certeza de que Ele está de braços abertos aguardando o seu retorno.

 

Caríssimos irmãos,

A teologia é, em segundo lugar, a nossa palavra dirigida a Deus. Aplicando isso também ao Sagrado Coração de Jesus, vemos que tudo o que poderíamos querer dizer a Deus já foi pronunciado e está sendo dito eternamente pela “boca” do glorioso Coração trespassado de Cristo no céu. É através do Sagrado Coração que o Sangue de Cristo fala “mais graciosamente do que o sangue de Abel” (Hb 12, 24).

A Carta aos Hebreus diz-o assim: “Cristo é capaz de salvar para sempre aqueles que por Ele se aproximam de Deus, porque vive para sempre para interceder por eles” (7, 25). Cristo exerce o seu sacerdócio de intercessão no “santuário interior por detrás do véu” (Hb 6, 19), apresentando ao Pai as chagas gloriosas nas suas mãos, nos seus pés e no seu lado. A ferida no lado de Cristo, “grande sumo sacerdote sobre a casa de Deus” (Hb 10, 21), fala ao Pai em nosso nome. É a nossa palavra dirigida a Deus.

No centro da devoção ao Sagrado Coração está uma passagem para a oração de Cristo ao Pai, um longo aprendizado ao silêncio pelo qual começamos a deixar o Coração de Cristo falar em nós e por nós ao Pai.

Os místicos do Sagrado Coração, em particular Santa Gertrudes e Santa Mechthilde, falam de oferecer o Sagrado Coração de Jesus ao Pai. Isto significa permitir que o Sagrado Coração fale por nós, ore em nós, reze através de nós, consolando-se com o que a Escritura diz: “Não temos um sumo sacerdote que não se compadeça das nossas fraquezas, mas que em tudo foi tentado como nós, mas sem pecado” (Hb 4, 15).

Isto sugere um modo simples de rezar, acessível a todos: “Senhor Jesus, venho calar-me na tua presença, confiando que o teu Coração falará por mim, sabendo que tudo o que eu poderia querer dizer, que tudo o que eu precisaria dizer, é falado eternamente ao Pai pelo teu Sagrado Coração”.

Deste modo, tudo o que a oração pode ou deve exprimir — adoração, louvor, ação de graças, súplica e reparação — encontra a sua expressão mais perfeita.

A devoção ao Sagrado Coração, assim entendida, é uma manifestação na Igreja do Espírito Santo, “ajudando-nos em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém” (Rm 8, 26).  O Sagrado Coração é, na vida da Igreja, o órgão pelo qual “o Espírito intercede pelos santos, segundo a vontade de Deus” (Rm 8, 27).

O Cardeal Joseph Ratzinger escreveu: “Vemos quem é Jesus se o vemos em oração. A confissão cristã de fé vem da participação na oração de Jesus, de ser atraído para a sua oração e de ter o privilégio de contemplá-la; interpreta a experiência da oração de Jesus, e a sua interpretação de Jesus é justa porque brota de uma participação no que lhe é mais pessoal e íntimo”.

Esta é a oração do Sagrado Coração, a oração que encheu os dias e as noites da vida terrena de Jesus, a oração que impregnou os seus sofrimentos e subiu da Cruz na hora da sua morte, a oração que com Ele desceu às profundezas da terra, a oração que continua ininterrupta na glória da sua vida ressuscitada e ascendente, a oração que é incessante no Sacramento do Altar.

O Cardeal Ratzinger escreveu que “entrando na solidão de Jesus”, e “somente participando do que é mais pessoal para ele, sua comunicação com o Pai, pode-se ver o que é essa realidade mais pessoal; só assim se pode penetrar em sua identidade”.  O Sagrado Coração nos representa e nos convida para o que é mais pessoal para Jesus: sua comunicação com o Pai.

Com palavras que hoje soam quase proféticas, o Cardeal Ratzinger concluiu que “a pessoa que viu a intimidade de Jesus com seu Pai e chegou a compreendê-lo a partir de dentro é chamada a ser uma 'rocha' da Igreja. A Igreja nasce da participação na oração de Jesus” (cf. Lc 9, 18-20; Mt 16, 13-20)

Prezados irmãos,

O Evangelho nos apresenta o imenso amor de Deus. Deus ama de forma desmesurada cada mulher e cada homem. É esta a primeira coisa que nos deve “tocar” ao celebrarmos o Sagrado Coração de Jesus. O amor de Deus dirige-se, de forma especial, aos pequenos, aos marginalizados, aos necessitados de salvação.

            Que a imagem evangélica de hoje do Deus/Pastor, cujo amor se derrama, de forma especial, sobre as ovelhas feridas e perdidas do rebanho. Dessa forma, sugere-se que o Pastor/Deus não só não exclui ninguém da sua proposta de salvação – nem sequer aqueles que, pelas suas atitudes “politicamente incorretas” são marginalizados pelos outros homens – mas até tem um “fraco” especial pelos excluídos: são precisamente esses os destinatários privilegiados do amor de Deus, especialmente aqueles que vivem nas periferias e que são os mais amados de Deus e devem ser amados por todos nós!

Nesta Solenidade, contemplando o Sagrado Coração de Jesus tomemos consciência do sentido da interioridade, num mundo marcado pelo excesso de informação e de estímulos, de tantas mídias sociais sufocantes e que espalham fake news, deverá ser recuperado através de novas formas de cultivo da oração e da intimidade com o Coração de Cristo. A simplicidade e profundidade das propostas da espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus, particularmente pelas ações do Apostolado da Oração, obra meritória, nos seus vários modos, acrescentam um contributo essencial para a criação de espaços de interioridade e percepção de como a união entre oração e vida pode ser fecunda nos contextos em que os cristãos hoje vivem a sua fé.

            Junto com a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus nós somos convidados para a Jornada Mundial de Oração pelo clero. Rezemos, nesta solenidade, pelo padre que nos batizou, que nos deu a Eucaristia pela primeira vez, que primeiro nos confessou, que distribuiu os sacramentos em nossa existência. Rezemos pelos sacerdotes que trabalharam em nossas paróquias e comunidades. E apresentemos diante de Deus aqueles Padres que nos causaram decepção. Vamos perdoá-los e rezar por sua conversão.

            Que o Sagrado Coração de Jesus nos ensine a ternura, o amor, a compaixão, a concórdia e nos ajude a sermos mais mansos, humildes e caridosos. Amém!

Padre Wagner Augusto Portugal.


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