“Cantai ao Senhor um canto novo, porque ele fez maravilhas; e revelou sua justiça diante das nações, aleluia!” (cf. Sl 97, 1s).
Meus
queridos Irmãos,
Estamos caminhando neste tempo
espiritual de muita paz e presença constante do Senhor Ressuscitado em nosso
Meio: “Ele Está no Meio de Nós!”.
Jesus está no meio de nós para “fazer
novas todas as coisas” (cf. Ap 21, 5). Novo é uma palavra mágica, que
domina a publicidade e os jornais, bem como as mídias sociais, mas também
traduz a esperança que se expressa em numerosas páginas das Sagradas
Escrituras. O entendimento do cristianismo é baseado na sucessão da antiga e da
nova Aliança, do antigo e do novo Povo de Deus. E, também, na passagem da
antiga para a nova vida e na observância de uma nova Lei em vez da antiga
observância. Páscoa é o tempo de renovação, de renovação que nos santifica e
nos coloca mais próximos de Deus. Assim a liturgia de hoje nos pede e nos
coloca diante de um novo céu e uma nova terra, uma nova Jerusalém e uma nova
criação. Tudo redimido e recriado pela paixão, morte e ressurreição de Cristo!
Caros
irmãos,
A Primeira Leitura (cf. At 14,21-27)
nos apresenta a obra de Deus em Paulo e Barnabé. Essa leitura poderia ser
considerada como uma conclusão e um relatório da primeira viagem missionária de
Paulo. Na viagem de volta, visitam de novo as jovens comunidades e instituem os
presbíteros. Estes sucessos
desenrolam-se entre os anos 46 e 49. A primeira leitura acentua a ideia de que
a missão não foi uma obra puramente humana, mas foi uma obra de Deus. No início
da aventura missionária já se havia sugerido que o envio de São Paulo
e de São Barnabé não era apenas iniciativa da Igreja de Antioquia, mas uma
ação do Espírito (cf. At 13,2-3). Esse mesmo Espírito que acompanhou e guiou os
missionários a cada passo da sua viagem. E aqui se repete que o autêntico ator
da conversão dos pagãos é Deus e não os homens (cf. vers. 27). A verdadeira novidade no contexto da missão é a
instituição de dirigentes ou responsáveis (“anciãos” – em grego,
“presbíteros”), que aparecem aqui pela primeira vez fora da Igreja de
Jerusalém. Correspondem, provavelmente, aos “conselhos de anciãos” que estavam
à frente das comunidades judaicas. Por isso os que têm responsabilidades de
direção ou de animação das comunidades devem ficar atentos porque a missão que
lhes foi confiada não é um privilégio, mas um serviço que está
subordinado à construção da própria comunidade. A comunidade não
existe para servir quem preside; quem preside é que existe em função da
comunidade e do serviço comunitário.
Estimados
Irmãos,
O Evangelho de hoje fala do amor
fraterno (cf. Jo 13,31-33a.34-35). Daquele amor que Cristo nos legou junto com
a instituição da Eucaristia na cerimônia do Lava-pés.
O Evangelho fala da glorificação de
Cristo. Se o Filho do homem age de modo a manifestar a glória de Deus, muito
logo também Deus dará sua glória ao Filho. Qual é essa glória? A glória era a
melhor coroa dos reis, seja pela riqueza que possuíam, seja pelo poder que
exerciam ou ainda pelo brilho do reinado. Quando o Salmista canta o ser humano
como rei da criação, coloca-o como um ser um “pouco inferior a Deus, coroado de brilho e esplendor, com poder sobre
ovelhas e bois, animais selvagens, aves do céu e peixes do mar” (cf. Sl 8,6-9).
Mas já o Antigo Testamento observava que essa glória, baseada na posse, no
poder, no prestígio, é relativa e passageira: “Não te exasperes, quando
alguém se torna rico, quando cresce a glória de sua casa. Ao morrer, nada
levará consigo e sua glória não o acompanhará depois da morte (cf. Sl
49,17-18)”.
Irmãos
e Irmãs,
Quando o demônio tentou Jesus no
deserto pela terceira vez, ofereceu “todos os reinos do mundo com sua glória
(cf. Mt 4,8)”. Isto é, o diabo ofereceu todas as riquezas, poder e
prestígio e fama. A resposta de Jesus manifesta claramente que a verdadeira
glória está na adoração e no serviço do Senhor (cf. Mt 4, 10). Esse ensinamento
volta muitas vezes nas pregações e nos exemplos de Jesus e, sobretudo, em seu
próprio exemplo. Por isso, os pobres e os marginalizados podem dar glória a
Deus e serem eles mesmos glorificados, ainda que nada tenham a não ser o
desprezo da sociedade.
Jesus viveu a sua paixão e morte da
forma mais elevada de glorificar a Deus, porque estava cumprindo à risca a
vontade do Pai. João deixa claro que toda a paixão é um caminho de glorificação
do Pai, por parte de Jesus; e de Jesus, por parte do Pai. Jesus, portanto,
glorifica o Pai, salvando a humanidade com sua morte na Cruz, porque era à
vontade do Pai. E o Pai glorifica a fidelidade de Jesus, salvando-o da morte,
fazendo-o ressurgir e assentar-se à sua direita.
Como Jesus, os discípulos devem
trilhar o mesmo caminho de Jesus. A comunidade eclesial, depois da Páscoa, não
tem outra glória a buscar senão a de fazer a vontade do Pai, isto é, salvar a
humanidade e fazer acontecer entre nós às alegrias eternas. E essa salvação
passa necessariamente pela Cruz. Cada discípulo é convidado a dar ao Pai a
mesma glória que Jesus lhe deu. Não em palavras e culto apenas. Mas na doação
inteira de si mesmo em benefício de outros. O caminho do Calvário não aconteceu
uma única vez com uma só vítima. Repete-se em cada discípulo, que se despoja a
si mesmo, assumir a condição de servo de todos, viver solidário com todos,
exatamente como fez Jesus. Todas as outras glórias são vãs e passageiras.
A proposta cristã resume-se no amor.
É o amor que nos distingue, que nos identifica; quem não aceita
o amor, não pode ter qualquer pretensão de integrar a comunidade de Jesus. Nos dias de hoje falar de amor pode ser
equívoco. A palavra “amor” é, tantas vezes, usada para definir comportamentos
egoístas, interesseiros, que usam o outro, que fazem mal, que limitam
horizontes, que roubam a liberdade. Mas o amor de que Jesus fala
é o amor que acolhe, que se faz serviço, que respeita
a dignidade e a liberdade do outro, que não discrimina nem
marginaliza, que se faz dom total (até à morte) para que o outro tenha mais
vida. O amor de Jesus é a face misericordiosa do Pai.
Prezados
irmãos,
Antes de conhecer o abaixamento da sua
Paixão e da sua morte, Jesus faz perceber aos seus discípulos o peso, a glória
da sua vida. Ele passou fazendo o bem, só pregou o Amor, fez milagres por amor,
deu o exemplo do amor dando-nos a maior prova. É tudo isso que tem peso aos
olhos de Deus, tal é a sua glória. E já durante a última ceia, Ele anuncia a
sua ressurreição predizendo que proximamente Ele não estará mais entre eles, do
mesmo modo como está no momento em que lhes fala, mas tornar-Se-á presente através
do amor que os seus discípulos terão uns para com os outros: que eles se amem
como Ele os amou! Este amor será o sinal pelo qual serão reconhecidos como seus
discípulos. Jesus não quer que tudo pare com a sua partida, serão os seus
discípulos que O tornarão presente se se amarem como Ele os amou: se forem
servos como Ele foi servo para lhes dar o exemplo; se refizerem os gestos e
disserem as palavras da última ceia. Isto para fazer memória d’Ele, isto é,
recordar- se, tornar presente, esperar o seu regresso; se eles O reconhecem, a
Ele o Senhor, sob os traços do mais pequeno entre os irmãos. Jesus de Nazaré já
não está entre nós, mas Cristo ressuscitado está bem no meio de nós, hoje. Há
que reconhecê-l’O para O testemunhar pelo amor!
Caros
irmãos,
A Segunda Leitura (cf. Ap 21,1-5a)
nos apresenta a nova criação e a nova Jerusalém. A última palavra sobre a
História não é a destruição, mas a restauração da pureza inicial. O mundo
embriagado pelo poder e pela cobiça é representado por “Babilônia” que foi
destruída (cf. Ap. 18,21-14). Mas Deus permanece conosco: Emanuel. É a nova
criação, as núpcias de Deus com seu povo. Esta cidade nova, onde encontra
guarida o Povo vitorioso dos “santos”, designa a Igreja, vista como comunidade
escatológica, transformada e renovada pela ação salvadora e libertadora de Deus
na história. Dizer que ela “desce do céu” significa dizer que se trata de uma
realidade que vem de Deus e tem origem divina; ela é uma absoluta criação da
graça de Deus, dom definitivo de Deus ao seu Povo. Esta nova realidade
instaura, consequentemente, uma nova ordem de coisas e exige que tudo o que é
velho seja transformado. O mar, símbolo e resíduo do caos primitivo e das
potências hostis a Deus, desaparecerá; a velha terra, cenário da
conduta pecadora do homem, vai ser transformada e recriada (vers. 1). A partir
daí tudo será novo, definitivo, acabado, perfeito.
O testemunho profético de São João nos garante que não
estamos destinados ao fracasso, mas sim à vida plena, ao encontro com Deus, à
felicidade sem fim. Esta esperança tem de iluminar a nossa caminhada e dar-nos
a coragem de enfrentar os dramas e as crises que dia a dia se nos apresentam. A
Mãe Igreja de que fazemos parte tem de procurar ser um anúncio dessa comunidade
escatológica, uma “noiva” bela e que caminha com amor ao encontro de Deus, o
amado. Isto significa que o egoísmo, as divisões, os conflitos, as lutas pelo
poder, têm de ser banidos da nossa experiência eclesial: eles são chagas que
desfeiam o rosto da Igreja e a impedem de dar testemunho do mundo novo que nos
espera.
Caros irmãos,
O vínculo
entre as leituras desta celebração não é facilmente detectável, mas é de uma
profundidade impressionante. O sofrimento, a perseguição, a incompreensão e,
por vezes, a morte são aquilo que liga o Cristo, crucificado e ressuscitado,
com seus discípulos na continuação de sua missão. Todavia, a “paixão” que une o
Mestre aos discípulos pela fidelidade a Deus é vista como “glorificação”,
exaltação e motivo de alegria.
Essa íntima
relação do Mestre com os discípulos se faz perceber também, conquanto seja uma
“coincidência litúrgica”, no fato de que a primeira coisa que os apóstolos
fazem, na primeira leitura, é exortar à permanência na fé (cf. v. 22).
“Permanecer” é verbo caro ao evangelista João, utilizado para falar da relação
de intimidade que se estabelece com o Mestre e também com Deus Pai.
A permanência
na fé uma vez abraçada tem sua recompensa. Ainda que não seja esse o motivo da
sua fidelidade, aqueles que perseverarem gozarão a plenitude da vida, expressa
aqui na visão da nova Jerusalém, a realidade totalmente nova que vem de junto
de Deus. É a essa realidade nova que devemos aspirar.
O agir de Deus é sempre surpreendente, marcado por
novidades. Mais do que um evento, a Páscoa é tempo propício para descobrir
coisas novas e ressignificar coisas antigas. Agradeçamos a Deus pela vida das
pessoas que exercem liderança nas comunidades e que todos façam o empenho de
viverem o mandamento do amor, assim contribuindo para a construção de um mundo
melhor, mais humanizado, solidário e fraterno.
Irmãos
e Irmãs,
O seguimento de Jesus é o seguimento
de gratuidade, de generosidade e de amor. O amor tem que ser como Cristo
glorificou o Pai, um amor gratuito, que nada pede em troca a não ser a alegria
de que o Pai receba essa expressão de amor como glorificação. Não é qualquer
gesto caritativo que distingue o cristão nem um amor genérico, que é mais
sinônimo de gosto que de entrega.
No amor ensinado por Jesus não há
lugar para simpatias e antipatias, que tanto condicionam nossos gestos. A
gratuidade é uma virtude rara na sociedade de hoje, tão sensível a pagamentos e
recompensas. O amor é generoso e gratuito!
Onde reina o amor, as coisas não
ficam como estão. Quem quebra o “status
quo” é Deus. É dele que podemos esperar a total novidade. É o que sonha o
autor do Apocalipse. No fim da história, ele vê um novo céu e uma nova terra.
Não tem mar, moradia do Leviatã. A nova realidade tem uma aparência de uma
noiva enfeitada para seu esposo: as núpcias messiânicas. É a moradia de Deus
com os homens. É a nova Aliança: eles serão seu povo e ele será seu Deus. É a
plenitude do Emanuel, Deus-conosco. É a consolação completa. É tudo o que se
pode esperar. É a nova criação.
Quem move a missão é Deus. Missão
amorosa. Pelo mandamento novo tudo renova, Cristo e os cristãos gerarão um novo
céu e uma nova terra. O desfecho deste movimento deveria acontecer em cada
missa: “Ao chegarem, reuniram a Igreja e puseram-se a referir tudo que Deus
tinha feito por eles”. Assim devemos também nós recolher as maravilhas de Deus
realizadas nos cristãos pela vivência do mandamento novo, apresentando-as como
motivo de nossa ação de graças.
Amemos sem amarras, porque Cristo
quebrou todas as amarras e retratos falados. Não só amemos com palavras!
Coloquemos os mesmos rogos em prática. Amém!
Padre Wagner Augusto Portugal.
Pe. Wagner
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