INTRODUÇÃO
Um dos títulos
mais expressivos dados à Virgem Maria é o de Rainha dos Mártires. Ele enseja
reflexões profundas sobre a obra redentora de Cristo e a co-participação de
Maria na mesma. Além disto, as lições da Senhora das Dores são valiosíssimas.
Santo Isidoro
assevera que os mártires são testemunhas “porque sofreram para dar testemunho
de Cristo e lutarem até à morte pela verdade”1. Segundo a teologia,
o martírio inclui a morte ou padecimentos mortais que assemelham aquele que
padece a Jesus Cristo, uma vez que o móvel de tal sofrimento é sobrenatural. O
amor a Deus é a essência daquela atitude.
Grandes as
tribulações que suportou Maria. A ela a Liturgia aplica as palavras de
Jeremias: “A quem te compararei, ou a quem te assemelharei, ó filha de
Jerusalém? A quem te igualarei, ó virgem, filha de Sião? É grande como o mar a
tua tribulação; quem poderá curar-te”2?
A intensidade
das dores desta Senhora foi na proporção mesma de sua imensa dileção para com
seu divino Filho. Este era o Deus encarnado em seu seio materno, bem infinito a
quem ela duplamente amava. É este Ser ao qual estava singularmente unida que
ela contemplou entregue às maiores dores físicas e morais que a uma criatura
foi dado experimentar.
Assim, com
razão, ela é chamada Rainha dos Mártires. Seus padecimentos foram todos morais
e seu verdugo implacável o seu terníssimo coração materno. Maria foi mártir não
por paixão, mas por compaixão; não pela espada de um carrasco, mas pela pujante
angústia interior, tão grande que, se não fora a graça divina, ela teria sido
fulminada em cada transe doloroso pelo qual passou.
As dores morais
são muito mais cruéis do que as corporais.
A história
registra a capacidade incrível que as pessoas têm para anos e anos, conviver
com terríveis padecimentos físicos. A dor moral, porém, quando aguda, ou leva à
loucura ou causa fulminante morte.
Uma vez que
Deus quis associar Maria à obra salvadora, Ele lhe deu o suporte divino de sua
força sobrenatural para que ela não desfalecesse.
O papa
Bonifácio IV, quando incorporou ao cristianismo, a 13 de maio de 609, o antigo
Panteão, o dedicou, apropositadamente, a Sancta
Maria ad Martyres.
Ela porque
muito padeceu, se tornou co-redentora da humanidade.
Os teólogos que
tratam deste aspecto da mariologia são unânimes em frisar que os sofrimentos de
Maria não eram absolutamente necessários à redenção. No sentido próprio da
palavra só Cristo é o Redentor do mundo. Ele não precisa da cooperação de
nenhuma criatura. Isto é ponto pacífico. Entretanto, há uma palavra de São
Paulo sumamente expressiva: “Eu que agora me alegro nos sofrimentos por vós, e
que completo na minha carne o que falta ao sofrimento de Cristo pelo seu corpo,
que é Igreja”3. Não obstante a paixão do Salvador ser dum mérito
infinito, e por isto completa, nada a lhe acrescentar os padeceres dos homens,
o Apóstolo mostra que se coisa alguma faltou a Jesus sofrer no seu físico, no
seu corpo místico, de que somos membros, há algo a ser completado pelo
sofrimento. Deste modo, num sentido subordinado e participativo existe uma
cooperação com o Salvador na redenção do mundo. É neste aspecto que, como
ninguém, Maria co-participou. Suas tribulações não têm similar nos anais dos
povos. Adite-se que ela é co-redentora também neste sentido de que, por
desígnios imperscrutáveis de Deus, ela foi incluída no plano soteriológico.
Dela, de fato, recebeu Cristo a natureza humana e dela se fez dependente em uma
parte de sua vida. As atribulações desta Senhora, conseqüência inevitável de
sua maternidade divina, se inserem então, de modo peculiar, no processo
salvífico. O Todo-Poderoso, realmente, não iria permitir tantos desgostos sem
motivos especiais. Seriam inteiramente ilógicos os dissabores e desares desta Mulher
bendita se estes não tivessem uma destinação superior. O Pe. Faber declara:
“Sendo, pois, simultâneas a Compaixão de Maria e a Paixão de Jesus, ou melhor
dizendo, sendo aquela uma parte integrante desta, participa de seu caráter de
sacrifícios e de expiação, e isto de modo e em grau singulares e incomunicáveis
a quaisquer padecimentos expiatórios dos santos. A Paixão foi o sacrifício de
Jesus Cristo na Cruz e a Compaixão foi o sacrifício de Maria ao pé da Cruz, sua
oferenda ao Eterno Pai, oferenda de uma criatura sem pecado, consumada para
expiar culpas alheias”4.
A compaixão de
Maria por vontade de Deus integrou a Paixão de Cristo. Suas aflições não foram
um mero ornato nos passos atribulados de seu Filho. Não foram sem sentido. Se
Deus as permitiu é porque, como soe acontecer na ordem universal, havia uma
destinação sublime a tantos padeceres.
Pelo Evangelho
se sabe de momentos cruciais para Maria, nos quais as fibras mais sensíveis de
seu coração perceberam angústias horripilas.
Considerá-las é
haurir preciosas lições.
PRIMEIRA DOR
Dor moral
imensa, antecipação de todas as demais que deveria suportar é a que se abateu
sobre Maria na apresentação de Jesus no templo. Com efeito, foi uma antecipação
terrível de instantes lancinantes e cuja imprevisibilidade aguçou o sofrer da
terna mãe. São Lucas narra o fato. Diz ele que, concluídos os dias da
purificação de Maria, segundo a lei de Moisés, ela e São José levaram o menino
a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor. O velho Simeão, conduzido pelo
Espírito Santo, foi ao templo e lá tomou Cristo nos braços e o exaltou como
“luz para iluminar as nações e glória de Israel”5. Após abençoar
José e Maria disse a esta: “Eis que este (Menino) está posto para ruína e para
ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição. E uma espada
traspassará a tua alma, a fim de se descobrirem os pensamentos escondidos nos
corações de muitos”6. Profecia terrível que obscurece para sempre a
dita daquela mãe. Toda a tragédia messiânica se lhe antolha com rudeza
singular. Ela sofre menos com a perspectiva de uma lâmina pontiaguda a lhe
dilacerar o peito do que com a triste realidade sobre o seu dileto filho, signo
paradoxal de vida e de morte. Daí por diante todas as vezes que ela
contemplasse seu meigo Jesus as palavras cortantes do ancião hierosolimita
seriam lembradas, furtando-lhe acremente as naturais alegrias que a infância
oferece aos pais. Pondera Faber: “Daquela hora em diante, cada ato de Maria foi
para ela um padecimento; cada gozo, uma fonte de amarguras. Não havia em sua
alma um só recanto onde a aflição não penetrasse. Cada um de seus olhares para
Jesus, cada movimento, cada palavra do Menino-Deus, suscitavam e exacerbavam
sua amarga pena. O mero passar do tempo aumentava sua dor, porquanto apressava
as lúgubres horas do Gethsemani, os tredos momentos do Calvário”7.
Importante,
porém, é o fruto espiritual que se deve tirar de tanta angústia. O apreço que o
cristão tiver pela graça divina, a qual custou inauditos tormentos a Jesus e a
Maria, é como se revela gratidão por generosidade assim repleta de amor. Ao
viver em plenitude esta vida divina, obtida à custa de exulcerações tão cheias
de acridez, se valoriza o sangue de Cristo e o sacrifício incruento da Virgem
Santa. Além disto, lembra Fulton Sheen: “Se Maria, sem pecado, aceita com
alegria a espada que Lhe vem da Divindade sem mancha, qual de nós, pecadores,
se lamentaria, quando o próprio Jesus nos permite sofrer pela remissão de suas
faltas”8?
A primeira
ferida fora aberta. O martírio apenas iniciara.
SEGUNDA DOR
Não demorou
muito e o vaticínio sombrio de Simeão se desdobraria.
A José um anjo
transmite uma ordem vinda do céu. São Mateus registra o fato. Nem bem os Reis
magos haviam partido, após renderem suas homenagens ao divino infante, “eis que
um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e lhe disse: Levanta-te, toma o
menino e sua mãe, e foge para o Egito, e fica lá até que eu te avise; porque
Herodes vai procurar o menino para o matar. E ele, levantando se, tomou de
noite o menino e sua mãe e retirou-se para o Egito. E lá esteve até à morte de
Herodes”9.
Bem se pode
aquilatar os sobressaltos da Virgem Santa ante a antevisão de um rei
Todo-Poderoso a querer assassinar-lhe aquele que era as delícias de seu
coração. As incertezas de um exílio, a penosa viagem para regiões desconhecidas
foram, entre outras, preocupações a pungir-lhe o espírito. Durante o
desconfortável percurso, o horror se apoderava constantemente dela. Qualquer
ruído que poderia pressagiar a aproximação dos ímpios verdugos em busca de seu
Jesus, proporcionava à mãe agoniada novos sobressaltos. As provações e
privações que suportou em terra estranha fizeram deste episódio um dos mais
horrendos vividos pela Sagrada Família.
Ante o mal
Maria foge. Que belo ensinamento! A fuga de tudo que pode matar a vida da alma
é tática espiritual de valia inestimável.
Herodes quer
matar a criança. Maria a salva e repara com este gesto os assassinatos de
tantos inocentes, ceifados barbaramente pela ignominia do aborto, crime
execrando. Mãos satânicas de quem o pratica, desalmadas como as dos soldados de
Herodes que trucidam e massacram. Corações de pedra que movidos pela cupidez,
pela obsessão do poder cometem os maiores desvarios. Espezinham impiamente o
mandamento sagrado: “Não matarás”. Maria sofre para defender a vida de Jesus e
é um convite vivo às mães para que nunca se façam cúmplices de um assassinato,
através do aborto criminoso.
Muito
atormentada a Mãe ao fugir com um Bebê nos braços. Entretanto, “se fosse
necessário, mil vezes Ela fugiria para o Egito, mil vezes suportaria temores,
para impedir que uma só alma cometesse qualquer pecado, tudo por amor de Seu
Filho, por amor de Deus”10. Aí está um outro pensamento para uma
profunda reflexão dos que cultuam as dores da Mãe sofredora.
TERCEIRA DOR
Agora Jesus tem
doze anos e “crescia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e dos
homens”11. É então que a Providência reserva a Maria outra dramática
ocorrência. Está também no Evangelho.
Todos os anos
José e Maria iam a Jerusalém por ocasião da Páscoa. Ao regressarem da cidade
santa o Menino Jesus lá ficou. Era costume caminharem os homens e as mulheres
em grupo separados. Foi natural que os pais não dessem falta do filho amado. ao
perceberem sua ausência, imediatamente, voltam a Jerusalém e, durante três
dias, se põem a procurá-lo. Encontram-no no templo entre os doutores.
As palavras de
Maria revelam o que fora o pesar daquelas horrentes horas: “Filho, por que
procedeste assim conosco? Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de
aflição”12.
Foram, de fato,
de esquisita acridão aqueles dias horroríficos. No Egito, apesar dos pesares,
ela tinha Cristo junto a si e isto mitigava-lhe um pouco as angústias. Doridos
foram, porém, os instantes sem Ele e, na verdade, sem saber onde ele estava.
Maria perguntava a si mesma se não teria sido incúria sua aquela triste perda.
Por entre ansiedade horrífica vasculhou a capital, onde os transeuntes
indiferentes em nada dulcificavam sua agonia. Sua alma foi envolta por
caliginosas trevas. Estar longe daquele que era seu amor supremo significava um
martírio de incalculáveis proporções. Nada a podia confortar.
Qual a razão
daquela acerba aflição?
Para ensinar
aos homens a buscarem a Cristo sempre que o perderem pelo pecado.
Reflete Fulton
Sheen: “Mostra-nos Ela que, quando perdemos a Deus, não devemos limitar-nos a
esperar que Ele volte. Devemos ir procurá-lo, e é ela que, para a alegria de
nossa alma, sabe onde o pode encontrar”13.
É ela que
conduz o pecador arrependido ao templo para, através da absolvição, reaver a
presença de Deus dentro de si. É ela que leva o sacerdote ao pecador moribundo
e o faz reconciliar de novo com Cristo Salvador. É ela, pelo que sofreu nesta
busca de seu Filho, que mereceu a conversão de tantos espíritos rebeldes e
reparou a indiferença de muitos que vivem longe do redil do Bom Pastor.
Muito importa
ao devoto de Maria mentalizar realidades tão consoladoras. Ela revela que há
sempre um caminho para reencontrar Cristo longe do qual prolifera a tristeza e
a angústia existencial.
QUARTA DOR
O quarto ato do
drama pungente de Maria foi seu encontro com Cristo na Rua da Amargura. Ela,
que estaria junto à cruz como atesta São João14, “o seguia na grande
multidão de povo e de mulheres” conforme nos relata São Lucas15.
Espetáculo dantesco: a mais terna das mães a ver seu filho dileto retalhado de
feridas, levando pesado lenho às costas rumo ao local onde iria ser
impiedosamente crucificado. Ouve estarrecida injúrias, insultos, blasfêmias.
Contempla-O escarrado, ensangüentado a caminhar envolto em horríferas
tribulações. Chocante para a mãe atribulada vislumbrar a cabeça de seu dileto
filho coroada de penetrantes e agudos espinhos. Ela o percebe débil a cair
diversas vezes por terra. Nada, contudo, pode fazer por ele. Nunca uma mãe fora
submetida a tamanho vexame. Admirável, entretanto, a fortaleza daquela mulher
extraordinária.
Adite-se que,
enquanto Jesus com sua palavra divina deslumbrou as multidões e arrastou
admiradores ou enquanto ele deixava manifestar fulgores do céu, por meio de
seus portentosos milagres, Maria, a humilde Madona, como que temerosa de atrair
sobre si algo da glória do filho, ocultava-se inteiramente. Agora, porém, que
Jesus se despojará de seu poder e é perseguido, desprezado, caluniado e é
conduzido como vil criminoso rumo ao patíbulo, eis Maria presente,
humilhando-se e com ele se sacrificando. Muitos cristãos seguem a Cristo em
suas pregações e prodígios. Gostam de estar nos cimos iluminados do Tabor. Amam
os resplendores da glória das palmas e triunfos do dia de Ramos em Jerusalém.
Aí, contudo, encerram sua religiosidade. Seu bruxoleante amor não os leva ao
Pretório, à Rua da Amargura ou ao Gólgota. Não prezam a renúncia, o sacrifício.
Estão presos às veleidades de suas paixões. Insensatez total! O cristianismo
não é isto! As palavras de Cristo foram claras: “Se alguém quiser vir após mim,
negue-se a si mesmo, e tome a sua e siga-me”16. Dizeres que reforçam
estes outros: “E o que não toma a sua cruz e me segue, não é digno de mim”17.
Maria seguindo
a Cristo nas sangrentas sendas que levam ao Calvário é uma admoestação aos
cristãos e um convite para que eles se revistam do espírito de Cristo e vivam
uma existência de sacrifício, sob pena de não conseguirem a salvação de suas
almas.
Exemplo sublime
de humildade! Com esta atitude ela fulmina a soberba e o egoísmo de tantos que
só procuram a própria exaltação, muitas vezes, às custas do sofrer alheio.
Fulton Sheen
aborda outro aspecto não menos importante: “Se uma mãe absolutamente santa como
Maria, que merecia a poupassem a todo mal, pode, pela providência de seu filho
levar uma cruz, como é que nós ‑ que tão longe nos encontramos de sua pureza ‑
podemos escapar às nossas”18?
Além disto, o
encontro de Maria com seu Filho na via dolorosa é uma reparação de todos os
encontros dos cristãos com o pecado nos muitos desencontros com Deus e seus
sagrados preceitos.
QUINTA DOR
A espada de
Simeão dará no Calvário o seu golpe mais cruel. São João historiou a cena, após
descrever a crucificação do Redentor: “Entretanto estavam de pé junto à cruz de
Jesus sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria
Madalena”.19 Sem ponderação o que padeceu a Senhora durante as três horas de
agonia de Cristo. Não foi apenas assistir um carrasco a executar uma iníqua
sentença, senão presenciar os requintes da malvadez nos últimos limites da
insensibilidade humana. Feridas abertas, a tentania terrifica, a febre ardente,
a sede hórrida atormentava o filho e ela impotente impossibilitada de lhe
propiciar qualquer refrigério. Quais línguas de cadente fogo percorriam o corpo
chagado de Jesus e a mãe percebia o quanto Ele padecia. Como se não bastassem
as tribulações físicas, a irrisão, as gargalhadas, os ultrajes somavam-se
àquele sofrer imenso do Filho dileto. As sete palavras de Cristo foram outras
tantas feridas para o coração de Maria, que nelas percebia outras facetas do
enorme sofrimento. Os inimigos de Jesus quais negros abutres sugavam as carnes
divinas e estraçalhavam a angustiada alma do Homem-Deus. Maria não caiu
fulminada porque a onipotência divina a sustentava admiravelmente. Foge a
qualquer tentativa humana descrever com propriedade momento tão plangente. É
impossível ao espírito do homem penetrar amargor tão profundo. Pobre mãe! Era
preciso que, assim como Eva perdera a humana linhagem deleitando seus olhos na
árvore paradisíaca e colhendo dela o fruto de perdição, ela ajudasse a salvação
do gênero humano sofrendo terrível martírio ante a visão do Filho pendente da
árvore da cruz, experimentando no seu intimo o fruto santo, mas repleto de
acridão de um sofrer tão grande.
O amor exige
correspondência. Se Cristo padeceu e morreu numa Cruz e a seu lado tanto foi
atormentada sua Mãe, tudo isto por causa da dileção que votavam aos homens,
cumpre retribuir a estes afetos com toda a generosidade e gratidão. Amor com
amor se paga, diz o brocardo popular.
O cristão que
trabalha pela sua santificação e luta tenazmente contra o mal está valorizando
o que o Salvador e sua Mãe fizeram por ele.
A Cruz de
Cristo é a partilha do cristão.
Os olhares
amorosos para o Crucificado insuflam coragem na pugna cotidiana para fazer da
paixão de Jesus e da compaixão de Maria a redenção de todo o mundo.
SEXTA DOR
Cristo
desfalecido é tirado da cruz por Nicodemos e José de Arimatéia20. Oh
instante lancinante! Maria que nada pudera fazer até então por seu amado filho,
percebe, de fato, ao vivo que só restava a ela curtir o oceano de dor, cujas
vagas lhe inundavam o ser. De perto vê agora o corpo de seu Jesus coberto de
equimoses. Era uma chaga dorida todo ele, maltratado e estraçalhado. Transe
angustiante e de indescritível amargura! Aquele que era o mais belo dos filhos dos
homens aí está desfigurado e marcado com o ferrete da ignomínia, totalmente
deformado. Diante de um quadro assim penoso e triste se compreende melhor quão
indesejável é o pecado. Foram as transgressões humanas à lei divina que
reduziram Cristo a este lastimável estado. Aí a causa de todo aquele tormento
para Maria. A fim de recuperar a formosura das almas, Jesus foi deste modo
reduzido a um frangalho humano, afeiado e triturado.
Donde, se as
prevaricações dos homens exigiram estes sacrifícios, é mister que se tenha na
devida conta a graça santificante. Tão só deste modo se demonstra a Maria e ao
divino Redentor uma real gratidão por tudo.
Escreveu
belamente Fulton Sheen que “nesse instante, transforma-se ela na mãe de todos
os filhos pródigos do mundo, preparando-os — pelos misteriosos ungüentos de sua
intercessão –– para o dia longínquo, em que a vida e a ressurreição correrão em
suas veias, quando eles avançarem nas asas da manhã”21.
Desolada mãe
que ainda não verá o fim de seus tormentos! Se sem medidas era sua tristeza por
ver o lamentável estado de seu amantíssimo Jesus, todavia ela ainda o tinha
perto de si. Mais um pouco e nem este pequeno consolo ela o terá. A antevisão
do sepultamento de Cristo a atribula mais ainda.
Admirável,
porém, sua fortaleza interior.
Ela irá até o
fim nestas trilhas tenebrosas da dor para continuar dando sua contribuição de
co-redentora à regeneração da humanidade, lembrando aos homens a cota de
sacrifício que Deus exige de cada um no processo salvífico pessoal.
SÉTIMA DOR
A soledade
imergiria a mãe dorida num pélago ainda mais profundo. Diz São João: “Ora no
lugar em que Jesus foi crucificado, havia um horto e no horto um sepulcro novo
em que ninguém ainda tinha sido sepultado. Portanto, por ser o dia de Parasceve
dos Judeus, visto que o sepulcro estava perto, depositaram aí Jesus”22.
Naquela hora, ao ouvir o golpe da pedra sepulcral fechando o túmulo, o coração
desfibrado de Maria foi inundado numa mágoa sem par. A saudade, com todas as
suas garras pontiagudas, estraçalhou ainda mais o ânimo daquela Madona
sofredora.
A soledade é o
tormento mais cruel para as almas aflitas e tomadas por constante padecer.
Qualquer casa, quando a morte a deixou vazia, é fria e massacrante pelo ar
lúgubre que nela reina. Em cada canto uma lembrança. Foi ao regressar à sua
habitação, no silêncio da noite, que todo o pesar da solidão se abateu sobre a
Mãe angustiada. Sua imaginação, exaltada pelos eventos daquele dia, lhe trazia
à memória as cenas sangrentas do martírio do Filho. Com detalhes ela revivia
detalhadamente os aspectos de tudo que com Ele ocorrera.
Três dias de
pranto e dor que consumaram o sofrer daquela Senhora e lhe deram
definitivamente o título de Rainha dos Mártires.
Abandonada à
sua dor, ela, contudo, não se revolta e renova sua aceitação dos desígnios
divinos e sua inteira submissão à vontade de Deus. Perdoa os inimigos e algozes
de seu Filho e acata inteiramente os misteriosos decretos do Onipotente.
Ensinamentos
valiosos a serem assimilados pelos devotos de Maria. Ela ouvira há pouco Jesus
dizer: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”23. Segue
então os gestos de Cristo e anistia completamente todos que maltrataram tão
duramente o seu Filho.
Pelos caminhos
da vida, batidos por tantas agruras, é aos pés da mãe sofredora que o cristão
depara, sempre, alívio e conforto. Pelo muito que padeceu, Maria pode aquilatar
o amargor da lágrima de cada um e lhe propicia o lenitivo e o bálsamo. Ela
confere a quem a súplica ânimo e inspira sentimentos de perdão cordial ante a
calúnia, a perseguição, as afrontas.
Nos instantes
de solidão, a lembrança do padecimento da Mãe celeste a sofrer os rigores de
sua soledade, após o sepultamento de seu Filho até sua gloriosa ressurreição
dos mortos, é luz que guia, impedindo qualquer desânimo. Ela está sempre a
dizer a cada um que, por mais impetuosa que seja a borrasca, brilhará o sol a
qualquer momento. O amanhã será melhor!
Além de todos os dissabores deste exílio está o fulgente dia da
eternidade bem-aventurada. Basta que se imite a Virgem Mártir que não
desfaleceu e não teve o mínimo rasgo de desespero. Não sucumbiu à dor e, por
isto, conheceu depois o júbilo pascal.
CONCLUSÃO
A devoção à Mãe
das Dores, Rainha dos Mártires, sobre ser um culto de gratidão, significa estar
matriculado na escola de uma Mestra admirável, que ensina preciosas lições que
formam o cristão e lhe retemperam o ânimo.
A resignação
com que ela suportou, por amor a seus filhos espirituais, tamanhos sofrimentos,
é realmente digna de imitação.
Ela patenteia
que a tribulação e a dor são caminho real por onde as almas piedosas sobem ao
cume da perfeição e entram nas regiões beatificantes da mais profunda comunhão
com Deus.
Honrar Nossa
Senhora das Dores implica num imediato e radical aborrecimento do maior de
todos os males que é o pecado, morte da alma e causa dos dissabores que ela
experimentou.
A exemplo de
Maria cumpre cooperar na obra da salvação empreendida por Cristo, levando os
corações empedermidos a aceitarem as graças que jorraram das cinco chagas
sagradas do Redentor.
Venerar a
Rainha dos Mártires é receber especial fortaleza, energia celestial para os
embates da existência até à vitória final.
O muito que ela
sofreu insufla, por outra, confiança na sua dileção materna. Não apenas ela
compreende as decepções humanas, como ainda, lá do céu, continua sua tarefa de
co-redentora dos filhos que ainda atravessam o exílio terreno.
Declara o Pe.
Faber: “Crescer na devoção a Maria é penhor seguro de progredir em toda a
espécie das boas obras. Não há tempo mais bem empregado, nem meio mais
infalível de se assegurar a bem-aveturança. Mas a devoção, em resumo, não nasce
tanto da veneração como do amor, por mais que esteja unido a este. Nada,
contudo, mais adequado para excitar nosso amor à Santíssima Virgem como suas
dores”24.
Assim, refletir
sobre elas é ver crescer a dileção para como esta Mãe sofredora e aspirar um
dia estar com ela por toda a eternidade, a fim de render-lhe um pleito perene
por tudo quanto padeceu pela regeneração dos homens. Na Jerusalém celeste ela é
a Senhora da Glória, a espera daqueles que ela ajudou tanto a regenerar.
Como, porém,
per crucem ad lucem –- é pela cruz
que se chega à luz sempiterna, cultuar a Senhora das Dores significa estar
sempre junto à cruz redentora, jamais deixando a cruz que a cada um Deus
reservou nesta peregrinação, cujo fim é uma ventura perene, merecida pelos
sofrimentos de Jesus e pela compaixão de Maria.
NOTAS
1 Santo Isidoro, Etym. 7 c
11.
2 Lamentações 2,13.
3 1 Colossenses 1,24.
4 Frederico G. Faber, Al pie de la Cruz, Madrid, Hijos de
Gregório del Amo, S. L. Libreros Editores, 1952, p. 435.
5 Lucas 2,32.
6 Idem, ibidem 34.
7 F. Faber, op. cit., p. 100.
8 Fulton Sheen, O Primeiro Amor do Mundo, Porto,
Editora Educação Nacional, 1954, p. 315.
9 Mateus 2,13 ss.
10 Fulton Sheen, op. cit., p. 318.
11 Lucas 2,52.
12 Idem, ibidem 48.
13 Fulton Sheen, op. cit., p. 325.
14 São João 19,25.
15 São Lucas 23,27.
16 Mateus 16,24; Marcos 8,34.
17 Mateus 10,38.
18 Fulton Sheen, op. cit., p. 329.
19 São João 19,25.
20 Idem, ibidem 38 ss.
21 Fulton Sheen, op. cit., p. 340.
22 João 19,41.
23 Lucas 23,34.
24 F. Faber, op.
cit., p. 83.
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