“Ressuscitei, ó Pai, e sempre estou contigo: pousaste sobre mim a tua mão, tua sabedoria é admirável, aleluia!” (cf. Sl 138, 18.5s)
Meus
queridos Irmãos,
“Este é o dia que o Senhor fez para
nós: alegremo-nos e nele exultemos!”(cf. Sl 117).
Com grande alegria, as alegrias
eternais, celebramos neste dia santo a Ressurreição do Divino Salvador. Hoje a
terra celebra o evento mais importante de ontem, de hoje e de sempre, a
Ressurreição do Senhor.
Dizia
anteontem no Sermão do Descendimento da Cruz que nós não devemos limitar a
nossa fé carregando o esquife com um Jesus inerte, que nada questiona. O que
nós precisamos fazer é remover a pedra do Sepulcro e enxergar o Cristo luminoso
e ressuscitado que irrompeu o império da morte e anunciou a vida eterna, a vida
em Deus.
Jesus, o autor da vida, nos dá uma
nova e eterna vida; a vida do céu. A morte verdadeira de Jesus continua para
todos nós uma doce lição de encantamento e de amor e não é difícil de entender.
Sua ressurreição confirma todas as suas palavras e ensinamentos, e será sempre
um doce mistério, isto é, um fato que ultrapassa toda a compreensão racional e
é apenas apreendido pela fé.
A ressurreição deve ser entendida
como ponto fundamental de nossa fé cristã. Fundamental no sentido estrito da
palavra: é fundamento sobre o qual se levantou e levanta-se o edifício de nossa
fé católica e apostólica. Tirado este fundamento, todo o edifício ruiria. Um
Cristianismo não construído sobre a ressurreição seria impossível. A
ressurreição é o único milagre que garante a divindade de Jesus de Nazaré. É a
única prova indestrutível de sua messianidade redentora.
O dia da Páscoa se estenderá por
oito dias, na chamada oitava pascal, para nos recordar que um dia apenas é
muito pouco para vislumbrar e saborear a graça da vida nova que nos vem de/por
Cristo. Nós devemos perceber que entre nós há sinais de ressurreição e vida
nova quando vivemos o perdão, a solidariedade e somos capazes de olhar para o
sepulcro de nossa existência, notando que nele o Senhor deixa sua luz e as
trevas nunca serão a maior e mais forte realidade. Vivenciamos no mundo atual,
marcado por tanta crucifixão e sofrimento, a certeza da solidariedade de Deus,
que liberta todo gênero humano da morte e da decepção pelo fracasso. Quando nos
sentimos fracos é que somos fortes, e quando nos sentimos abandonados é que
entendemos o que vem a ser ressurreição: a confiança total em Deus.
Irmãos
caríssimos,
Hoje é Páscoa, que significa
passagem! Para nós passagem do pecado para a vida da graça, passagem da morte
eterna para a vida em Deus, a vida plena.
O
túmulo está vazio! O corpo de um homem pregado numa cruz não está lá mais.
Jesus Ressuscitou para nos salvar ao terceiro dia.
Aqueles que procuravam Jesus entre
os mortos não o encontraram, porque Ele havia ressuscitado. Vamos encontrá-Lo
falando com os Apóstolos incrédulos, comendo com eles e mostrando-lhes as mãos
e os pés perfurados pelos cravos. Encontramo-Lo, consolando Maria Madalena
angustiada desde o Calvário. Encontramo-Lo ressuscitado, explicando aos
discípulos entristecidos de Emaús o significado das profecias e de suas
próprias palavras.
Todos nós hoje devemos repetir a
seqüência da santa Missa que encantou a minha infância e permeia toda a minha
vida: “Cantai, cristãos, afinal: Salve ó vítima pascal! Cordeiro
inocente, o Cristo, abriu-nos do Pai o aprisco!”.
Sim, aleluia, hoje e sempre! Porque
Jesus é maior do que a morte e a venceu e, por sua vitória, todos nós
viveremos. Aleluia, porque a Páscoa de hoje é certeza de páscoa eterna!
Caros
irmãos,
Nos Atos dos Apóstolos, que é a
primeira leitura de hoje (At 10,34a.37-43), São Lucas
nos propõe o testemunho e a catequese de São Pedro em Cesareia, em casa do
centurião romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf. At 10,19-20), Pedro
entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e batiza-o, bem como a
toda a sua família (cf. At 10,23b-48). O episódio é importante, porque Cornélio
é o primeiro pagão a cem por cento a ser admitido ao cristianismo por um dos
Doze (o etíope de que se fala em At 8,26-40 já era “prosélito”, isto é,
simpatizante do judaísmo). Significa que a vida nova que nasce de Jesus é para
todos os homens. A ressurreição de Jesus é a consequência de uma vida
gasta a “fazer o bem e a libertar os oprimidos”. Isso significa que, sempre que
alguém – na linha de Jesus – se esforça por vencer o egoísmo, a mentira, a
injustiça e por fazer triunfar o amor, está a ressuscitar; significa que sempre
que alguém – na linha de Jesus – se dá aos outros e manifesta em gestos
concretos a sua entrega aos irmãos, está a ressuscitar. A ressurreição de Jesus
significa, também, que o medo, a morte, o sofrimento, a injustiça deixa de ter
poder sobre o homem que ama, que se dá, que partilha a vida. Ele tem assegurado
a vida plena, essa vida que os poderes deste mundo não podem atingir nem
restringir. Ele pode, assim, enfrentar o mundo com a serenidade que lhe vem da
fé.
Aos discípulos pede-se também que
sejam as testemunhas da ressurreição. Nós não vimos o sepulcro vazio, mas
fazemos todos os dias a experiência do Senhor ressuscitado, vivo e caminhando
ao nosso lado nos caminhos da história. Temos de testemunhar essa realidade; no
entanto, é preciso que o nosso testemunho seja comprovado por factos concretos:
por essa vida de amor e de entrega que é sinal da vida nova de Jesus em nós.
Caros
irmãos,
Na segunda leitura (Cl 3,1-4) São
Paulo apresenta como ponto de partida e base da
vida cristã a união com Cristo ressuscitado, na qual o cristão é introduzido
pelo Batismo. Ao ser batizado, o fiel católico morreu para o pecado e renasceu
para uma vida nova, que terá a sua manifestação gloriosa quando ultrapassarmos,
pela morte, as fronteiras da nossa finitude. Enquanto caminhamos ao encontro
desse objetivo último, a nossa vida tem que tender para Cristo. Em concreto,
isso implica despojarmo-nos do “homem velho” por uma conversão nunca acabada e
revestirmo-nos cada dia mais profundamente da imagem de Cristo, de forma que
nos identifiquemos com Ele pelo amor e pela entrega.
Irmãos
caríssimos,
Na primeira parte do Quarto
Evangelho (cf. Jo 4,1-19,42), João descreve a atividade criadora e vivificadora
do Messias (o último passo dessa atividade destinada a fazer surgir o homem
novo é, precisamente, a morte na cruz: aí, Jesus apresenta a última e definitiva
lição – a lição do amor total, que não guarda nada para Si, mas faz da sua vida
um dom radical); na segunda parte (cf. Jo 20,1-31), João apresenta o resultado
da ação de Jesus: a comunidade de Homens Novos, recriados e vivificados por
Jesus, que com Ele aprenderam a amar com radicalidade. Trata-se dessa
comunidade de homens e mulheres que se converteram e aderiram a Jesus e que, em
cada dia – mesmo diante do sepulcro vazio – são convidados a manifestar a sua
fé n’Ele. A lógica humana vai na linha da
figura representada por Pedro: o amor partilhado até à morte, o serviço simples
e sem pretensões, a entrega da vida só conduzem ao fracasso e não são um
caminho sólido e consistente para chegar ao êxito, ao triunfo, à glória; da
cruz, do amor radical, da doação de si, não pode resultar vida plena. A
ressurreição de Jesus prova precisamente que a vida plena, a vida total, a
libertação plena, a transfiguração total da nossa realidade e das nossas
capacidades passam pelo amor que se dá, com radicalidade, até às últimas
consequências.
Caros
irmãos,
No Evangelho (cf. Jo 20,1-9) “Tiraram o Senhor do sepulcro
e não sabemos onde O puseram” (cf. Jo 20,2). Maria Madalena, na manhã de
Páscoa, experimenta o vazio: não há nada, nem mesmo o cadáver do seu Senhor
bem-amado. Ela não tinha nada a que se agarrar para fazer o luto. Sabemos como
é mais dolorosa a morte de um ente querido quando o seu corpo desapareceu,
quando não há túmulo onde se possa ir em recolhimento. Não seria esse o
sentimento de Maria Madalena, há dois mil anos atrás? A Igreja não cessa de
repetir que Jesus está vivo, vencedor da morte para sempre. Todos os anos, ela
multiplica os seus “aleluias”. Mas encontramos sempre o vazio. Como ressoa em
nós a constatação dos discípulos de Emaús, dizendo ao desconhecido que se lhes
juntou no caminho que não O tinham visto. Paulo grita: “Onde está, ó morte, a
tua vitória?” A nossa experiência poderá perguntar: “Ressurreição de Cristo,
onde está a tua vitória?” Apesar do primeiro anúncio “Jesus não está aqui,
ressuscitou!”, a morte continuou obstinadamente a sua acção de trevas, com os
seus acólitos muito fiéis: doenças, lágrimas, desesperos, violências,
injustiças, atentados, guerras… Cantamos, sem dúvida, nas nossas igrejas:
“Jesus Cristo ressuscitou verdadeiramente!” Mas Jesus, não O vemos! Está aqui a
dificuldade e a pedra angular da nossa fé. Dificuldade, porque a Ressurreição
de Jesus não faz parte da ordem da demonstração científica. Ficamos encerrados
nos limites do tempo, enquanto Jesus saiu destes limites. Doravante, Ele está
para além da nossa experiência. Mas a Ressurreição é, ao mesmo tempo, a pedra
angular da nossa fé porque, como o discípulo que Jesus amava, somos convidados
a entrar no túmulo, a fazer primeiro a experiência do vazio, para podermos ir
mais longe e, como Ele, “ver e crer”. Podemos apoiar-nos no testemunho das
mulheres e dos discípulos. Eles não inventaram uma bela história. Podemos ter
confiança neles. Mas eles também tiveram que acreditar! É na sua fé que
enraizamos a nossa fé. Páscoa torna-se, então, nossa alegria!
Teologicamente, essa cena tem muito a nos dizer e ensinar.
Somente aquele que ama verdadeiramente consegue “enxergar” esperança, vida nova
e ressurreição mesmo num cenário de morte, medo e angústia. O coração do
discípulo amado era aquele que estava na mesma sintonia do coração do Senhor –
tanto que, na cena da última ceia, ele estava reclinado no peito de Jesus. O
amor do discípulo se torna, dessa forma, esperança viva, testemunho autêntico,
ímpeto missionário para uma nova fase da vida das comunidades nascentes. Agora,
é preciso anunciar: as Escrituras se cumpriram, Cristo venceu, ressuscitou, as
cadeias da morte não foram suficientes para acorrentá-lo. Além disso, a
primeira testemunha desse evento extraordinário e fundante é uma mulher, Maria
Madalena – chamada, posteriormente, de Apóstola da ressurreição. Aqui,
revela-se, nas entrelinhas, mesmo num contexto patriarcal e machista, o papel
preponderante da mulher. Ela foi a primeira a receber a Boa Notícia e foi a
primeira a anunciá-la, corajosamente.
Meus
amados Irmãos,
A Páscoa é festa de libertação,
desde os tempos de Moisés. Na páscoa
moisaca se celebrava a passagem do povo da escravidão para a liberdade e a sua
caminhada para a Terra Prometida.
Agora Jesus veio reescrever a velha
aliança nos dando uma nova e eterna aliança: a passagem do pecado para a graça.
A passagem da morte para a vida eterna. Jesus arrancou com a sua morte a
maldade dos homens e nos transformou em criaturas novas. Ao ressuscitar, Jesus
não voltou atrás, como aconteceu com Lázaro, mas foi além da morte, assumindo
uma condição que escapa à nossa compreensão e à nossa experiência. Esse destino
nos espera depois de nossa morte.
A Eucaristia é a celebração plena da
morte e ressurreição de Jesus. Doce e grandioso mistério que nos pavimenta a
vida eterna.
Assim, todos nós somos convidados a
fazermos a passagem, relembrando Santo Agostinho: “Passar é preciso!”
Passar de onde e para onde? De onde estamos, envoltos em trevas, para a luz da
ressurreição; de onde estamos, amarrados pelo egoísmo, para o amor partilhado;
de onde estamos, cercados de erros que dividem, para o campo da verdade, que
acolhe e unifica. Passar de onde estamos, gananciosos e armados de medo, para a
pureza do desapego e da fraternidade; de onde estamos, abrindo fossos de
autoproteção, para as pontes de paz, que facilitam o encontro; de onde estamos,
marcados pelo pecado, para a graça, que é a marca dos filhos de Deus.
Meus
irmãos,
A memória de Jesus, na Palavra e na
Eucaristia, ensina-nos que ele vive conosco. Ele é o centro de nossa vida.
Temos que relacionar tudo com ele, enxergar tudo à sua luz, que venceu as
trevas, a vida que venceu a morte. Isso é vivenciar a ressurreição de Cristo em
nossa própria vida, procurar as coisas do alto, onde Cristo está sentado à
direita do Pai, conforme nos ensina a segunda leitura de hoje. A nossa vida
velha e abatida morreu, temos uma vida nova escondida lá com ele. Isso
transforma nosso modo de viver. Mesmo se exteriormente andamos envolvidos com
as lidas e as lutas desta sociedade injusta, interiormente já não nos deixamos
vencer por ela. Após uns pequenos três dias, experimentamos a presença daquele
que venceu a morte. Por isso, vamos viver de cabeça erguida, os olhos fixos em
nossa verdadeira vida, que está nele. Se o pecado nos abate, vamos abrir-nos na
comunidade, no sacramento. Se a injustiça nos faz morrer, vamos unir-nos em
comunidade em torno a Cristo. Isto é Páscoa, nossa ressurreição em Cristo.
Queridos
irmãos,
O homem novo não é “outro” homem,
alienado da condição terrestre para ser posto num paraíso qualquer. A oposição
se acha entre o pecado e a graça; o homem velho vive na ilusão de poder
realizar o seu destino recorrendo unicamente a seus recursos. O homem novo
realiza perfeitamente a vontade de Deus, único que pode admiti-lo à condição
filial; sabe que o conteúdo da sua fidelidade à vocação recebida reside na
obediência à condição terrena até a morte; sabe que este "sim" da
criatura constitui o suporte necessário do "sim" do filho adotivo de
Deus.
Caros irmãos,
O Senhor não
abandona seus seguidores. O que parece fim se torna reinício surpreendente por
causa da ação de Deus, que inaugura novo tempo. A surpresa de Maria Madalena
não se retém nela, mas a impele a ir aos outros que passavam por situação
semelhante e aguardavam algo após a morte de Jesus.
A incógnita
sobre o sepulcro vazio não é respondida no episódio do Evangelho deste domingo.
Sabemos o que aconteceu posteriormente por causa dos relatos de João (aparição
a Maria Madalena – 20,11-18 – e aos onze – 20,19-23). No entanto, a dúvida
sobre o que aconteceu é substituída pela certeza de que Deus, de alguma
maneira, agiu surpreendentemente, conforme prometera. Portanto, alguma novidade
surgiria e começava a despontar, como o sol nascente.
Temos
tendência a nos entristecermos com os acontecimentos (as sombras da morte) que
nos rodeiam. A guerra que parecia uma página negra da história retornou pela
ganância dos russos. Notícias tristes, crises diferentes, injustiças, maldades
de diversos tipos etc. fazem-nos perceber demasiadamente a morte, que nos
paralisa a ação e nos inibe de sonhar com um futuro melhor. O Ressuscitado nos
conduz na sua luz, para acreditarmos na vida presente em nós e entre nós, pois
ele vive.
Que as noites
não nos roubem a fé e a esperança no Senhor Ressuscitado. Percebamos a novidade
de Deus surgindo em meio a nós, nas mínimas coisas do cotidiano, na
simplicidade de pessoas com quem encontramos e na relação que cultivamos com
Deus. A luz da ressurreição dissipa nossas escuridões e, a partir de nós, as do
mundo inteiro.
Irmãos
amados,
O Senhor Jesus, cujo túmulo hoje foi
encontrado vazio, vida que venceu a morte e os infernos, está vivo aqui
conosco. Ele está presente de modo invisível, na Palavra que ouvimos e
meditamos, na pessoa de cada um de nós, na nossa comunidade orante reunida e no
pão consagrado.
Refletimos, pois, sobre o sepulcro
vazio, os gestos de amor de Cristo e o testemunho do Cristo ressuscitado.
Portanto, Jesus se fez Páscoa, surge a vida, onde as pedras são retiradas dos
sepulcros, onde se vive a caridade no serviço ao próximo. Estes são os sinais
de que Jesus Cristo continua ressuscitando hoje. Eles anunciam a sua
ressurreição e suscitam nova vida, pois retiram todas as barreiras que atentam
contra vida.
Jesus ressuscitou verdadeiramente,
Aleluia! Aleluia! Aleluia!
Padre Wagner Augusto Portugal.
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