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4º Domingo da Quaresma, C



“Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações”. (cf. Is 66,10s)

 

Meus queridos Irmãos,

 

            Estamos caminhando na nossa Quaresma. Quarenta dias de penitência, de jejum, de esmola e de conversão. Uma incessante mudança de vida que todos nós somos convidados a colocar em prática em nossa caminhada de fé e de caridade.

            Celebramos neste domingo o chamado domingo LAETARE, dia das rosas em Roma e dia de alegria no meio da penitência que dá a nota deste tempo forte de conversão e mudança de vida.

            Por que nós devemos fazer penitência? Para nos alegrarmos com a misericórdia e a acolhida que vem de Deus. É o que fala o Evangelho de hoje, a alegria do Pai ao encontrar o filho pródigo, dando-lhe a túnica nova, renovando-o com o anel da realeza, determinando a festa com o novilho e iguarias e, mais do que tudo isso, o anúncio de que aquele que estava no pecado encontrou a graça: “Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão que estava morto e tornou a viver, estava perdido, e foi encontrado”. (cf. Lc 15, 32)

            Esta é a missão que cada um de nós é chamado neste domingo: abandonar os paradigmas que oprimem e nos abrirmos para a graça santificante de Deus que nos pede MISERICÓRDIA, PERDÃO, ACOLHIDA, CONCÓRDIA E AMOR. Assim, a penitência que fazemos neste tempo de conversão se transforma em alegria, porque é inspirada como desejo de Deus.

            Penitência que desde a antiga aliança era considerada como uma volta para Deus, na busca do rosto sereno e radioso do Senhor da Vida.

 

 

Caros irmãos,

 

O livro de Josué narra a entrada e a instalação do Povo de Deus na Terra Prometida. O texto bíblico apresenta a tomada de posse da Terra como um passeio triunfal do Povo com Deus à frente, os autores deuteronomistas vão sublinhar a ação maravilhosa de Deus que, através do seu poder, cumpre as promessas feitas aos antepassados e entrega a Terra Prometida ao seu Povo. Não é um livro muito preciso do ponto de vista histórico; mas é uma extraordinária catequese sobre o amor de Deus ao seu Povo. No texto que a liturgia de hoje nos propõe, os israelitas, vindos do deserto, acabaram de atravessar o rio Jordão. Estão em Guilgal, um lugar que não foi ainda localizado, mas que devia situar-se não longe do Jordão, a nordeste de Jericó. Aproxima-se a celebração da primeira Páscoa na Terra Prometida e só os circuncidados podem celebrar a Páscoa (cf. Ex 12,44.48); por isso, Josué faz o Povo passar pelo rito da circuncisão, sinal da aliança de Deus com Abraão e, portanto, sinal de pertença ao Povo eleito de Jahwéh (cf. Gn 17,10-11). É neste contexto que aparecem as palavras de Deus a Josué referidas na primeira leitura.

A Primeira Leitura (cf. Js 5,9a.10-12) nos apresenta os israelistas que se alimentam com pão novo, da Terra Prometida. Entrar na Terra Prometida foi mais do que uma façanha militar; foi a entrada na vocação específica do “povo de Deus”. O tempo anterior era escravidão, vergonha (5,9). Agora começa uma realidade nova, celebrada pelo pão novo(ázimo): os israelitas recebem a pátria prometida aos pais e viverão nela enquanto ficarem fiéis ao Deus da Promessa. Alimentar-se com o trigo de Canaã é um sinal da eficácia da Aliança.

O rito da circuncisão, destinado a todos “os que nasceram no deserto, durante a viagem, depois do êxodo” (Js 5,5), terminou e todos fazem, agora, parte do Povo de Deus. É um Povo renovado, que dessa forma reafirmou a sua ligação ao Deus da aliança. O rito levado a cabo por Josué faz-nos pensar numa espécie de “conversão” coletiva, que põe um ponto final no “opróbrio do Egito” e assinala um “tempo novo” para o Povo de Deus.

A questão central deste texto gira à volta da vida nova que começa para o Povo de Deus. A Páscoa, celebrada nessa terra livre, marca o início dessa nova etapa. Israel é, agora, um Povo novo, o Povo eleito, comprometido com Deus, definitivamente livre da escravidão, que inicia uma vida nova nessa Terra de Deus onde “corre o leite e o mel”.

Somos convidados, neste tempo de Quaresma, a uma experiência semelhante à que fez o Povo de Deus de que fala a primeira leitura: é preciso pôr fim à etapa da escravidão e do deserto, a fim de passar, decisivamente, à vida nova, à vida da liberdade e da paz. E a circuncisão? A circuncisão física é um rito externo, que nada significa. O que é preciso é aquilo a que os profetas chamaram a “circuncisão do coração” (Dt 10,16; Jr 4,4; cf. Jr 9,25): trata-se da adesão plena da pessoa a Deus e às suas propostas; trata-se de uma verdadeira transformação interior que se chama “conversão”.

 

Irmãos e Irmãs,

 

            Felizes são os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Misericórdia que significa conversão, mudança de vida, abandono do pecado. A morte de Jesus é um ato supremo de misericórdia, completado pelo dom da ressurreição dado a todos. Assim como todos nós precisamos de conversão e penitência, todos precisamos da misericórdia de Deus. E, à imitação de Deus, praticar a misericórdia para com os outros é parte integrante da dimensão humana. Deus é Pai das misericórdias. De nós Jesus exortará: “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!” (cf. Mt 5,7).

            Jesus acolhe os pecadores (cf. Lc 15,1-3.11-32). Jesus vai na casa dos pecadores. Jesus conversa com os pecadores. Jesus toma refeição na casa dos pecadores.

            Na parábola do filho pródigo há pessoas que estão presentes no teatro da salvação e que devem ser consideradas.

Em primeiro lugar os publicanos. Quem eram os publicanos? Os publicanos eram os cobradores de impostos. Todos deveriam pagar pesados impostos para o Governo que, por conseguinte, os repassava para o Governo Central de Roma. Se pagava impostos sobre terras, animais, plantas, número de filhos, sal usado. Ninguém do povo gostava dos publicanos porque eles eram considerados exploradores e maltratavam o povo de Deus.

Em segundo lugar havia os fariseus. Quem eram os fariseus? Os fariseus eram a elite religiosa de verniz direitista. Estudavam as leis de Moisés e as tradições e procuravam cumpri-las rigorosamente. Os fariseus eram inimigos dos SADUCEUS, classe sacerdotal de Anãs e Caifás que mandarão, mais tarde, Jesus para Pilatos e Herodes. Jesus condenou a atitude moral dos fariseus: estes eram hipócritas, soberbos, exclusivistas, legalistas e exagerados. Viam a lei pela lei e não deixavam fazer uma teleologia da Lei.

A terceira categoria de pessoas que são encontradas no Evangelho são os escribas. Quem eram os escribas? Os escribas eram os doutores da Lei ou legisperitos. Eram os entendidos da lei, ou seja, os advogados do tempo, em questões civis e, particularmente, em questões religiosas. Mais do que homens que interpretavam a Lei e os costumes eram mestres em espiritualidade. Jesus condenou dos escribas o casuísmo, a hipocrisia de seus julgamentos e a vaidade.

Por último temos mais uma classe, os pecadores. Quem eram os pecadores? Os pecadores era a maior classe. Era o povão, o Zé povinho e a Maria. Eram aqueles que não cumpriam o rigorismo da Lei dos Publicanos, dos saduceus, dos Escribas. Mais do que isso os pecadores eram aqueles que tinham uma profissão considerada indigna, como os curtidores de couro, o pastor, o arrieiro, o vendedor ambulante, o jogador de dados, o pescador, etc. Também eram pecadores aqueles que tinham defeitos físicos e os pagãos. E quem freqüentasse a casa ou tomasse refeição com qualquer um destes tidos como pecadores ficariam pecadores como estes.

            Jesus escolheu pecadores públicos para serem os seus discípulos, ou seja, os seus preferidos: Pedro e André, Tiago e João. E, mais do que isso, Mateus era publicano, ou seja, cobrador de impostos.

 

Meus queridos Irmãos,

 

            Qual é o critério de Jesus para estar, falar e comer com os pecadores públicos? O critério é o mesmo do pai do filho pródigo: agir com o pobre com misericórdia, com coração generoso, acolhendo as suas misérias, procurando curar seus pecados e doenças espirituais e caminhar para a vida da graça de Deus.

            O que é ser misericordioso? É ter um coração voltado para o necessitado. Mais do que isso ser misericordioso é ter um coração necessitado voltado para quem pode socorrê-lo, assim, quando eu, necessitado, volto-me para quem me pode socorrer. Assim deixaremos de sermos egoístas, autossuficientes, e nos abrir para a misericórdia e a partilha.

O amor do Pai é um amor que respeita absolutamente as decisões – mesmo absurdas – desse filho que abandona a casa paterna; um amor que está sempre lá, fiel e inquebrável, preparado para abraçar o filho que volta. Repare-se: mesmo antes de o filho falar e mostrar o seu arrependimento, o Pai manifesta-lhe o seu amor; é um amor que precede a conversão e que se manifesta antes da conversão. É num Deus que nos ama desta forma que somos chamados a confiar neste tempo de “metanoia”.

 

Irmãos e Irmãs,

 

            A segunda leitura (cf. 2Cor 5,17-21) nos ajuda a penetrar no sentido das palavras: Estava morto e voltou a viver; o que estava perdido, foi encontrado. A reconciliação em Cristo é uma nova criação. O velho passou, tudo é novo. A vergonha de nosso pecado é apagada. Deus mesmo tornou sacrifício pelo nosso pecado. Seu filho que não conheceu o pecado para que nós fossemos sem pecado. Nestas palavras percebemos um eco da primeira leitura: assim como Israel, no fim do êxodo da escravidão, celebrou, já na Terra Prometida, onde corre leite e mel, a sua passagem com o pão novo, sem o velho fermento, agora tudo é novo em Cristo Senhor.

São Paulo nos apresenta o mistério da reconciliação – Deus nos fez homens novos: Paulo o experimentou em sua própria vida. A “Palavra da Reconciliação” modifica radicalmente a condição humana. Somos regenerados, recriados. O Apóstolo das gentes quer que todos participem desta reconciliação, já que ela custou bastante: Deus fez seu Filho participar da conseqüência do pecado, para que nós participássemos de sua justiça.

É desta reconciliação que Paulo se fez “embaixador” e arauto; o ministério de Paulo passa por pedir aos coríntios que se reconciliem com Deus e que nasçam, assim, para a vida nova de Deus. É evidente que esta chamada não é só válida para os cristãos de Corinto, mas serve para os cristãos de todos os tempos: os homens têm necessidade de viver em paz uns com os outros; mas dificilmente o conseguirão, se não viverem em paz com Deus.

Ser cristão católico é, antes de mais, aceitar essa proposta de reconciliação que Deus nos faz em Jesus. Significa que Deus, apesar das nossas infidelidades, continua a nos propor um projeto de comunhão e de amor.  É “em Cristo” – e, de forma privilegiada, na cruz de Cristo – que somos reconciliados com Deus. Na cruz, Cristo ensinou-nos a obediência total ao Pai, a entrega confiada aos projetos do Pai e o amor total aos homens nossos irmãos.

 

Prezados irmãos,

 

Neste domingo da alegria, cabe destacar esse aspecto da fé cristã e aproveitar as leituras para proclamar que Deus se alegra conosco, como o pai da parábola. Muitas vezes, o discurso cristão se fixa nas exigências e na severidade, esquecendo-se da beleza e do júbilo – valores estes que não são pretexto para descompromissos.

A Eucaristia pode ser pensada como grande banquete preparado por Deus para nós. Somos filhos e filhas que nos distraímos do amor, tomamos descaminhos, experimentamos desamores e sempre temos mais uma chance para retornar aos braços do Pai. Ele não nos pune, mas se dispõe a nos encontrar, acolhe-nos em seu abraço e festeja o retorno. Celebremos com alegria a misericórdia de Deus por nós todos e não nos fechemos, enciumados ou preocupados com tantas tarefas. A festa é disposta a quem deseja se saciar do corpo e sangue de Cristo.

Pensemos nos que sofrem com a guerra na Ucrânia e em outras partes do mundo. Pensemos nos que perderam tudo por causa das chuvas dos últimos dias. Assim como nos alegramos, comuniquemos aos outros o que festejamos. Há muitos entristecidos e abatidos por diversas razões. A alegria do Evangelho deve ser transmitida a quem precisa.

O pecado é realidade que acidentalmente faz parte de nossa condição: somos inclinados ao pecado, porém a graça salvífica de Deus é muito superior. “Pecar é humano, perdoar é divino.” Devemos perceber que a comunidade cristã, a Igreja, é embaixadora de Cristo, que veio trazer a salvação, e não a condenação à humanidade. Cabe-nos acolher os que pecam e ajudá-los a seguir no caminho certo, pois também nós nos desviamos do caminho e outros já agiram com misericórdia para conosco.

 

Caros Irmãos,

 

            Muitos católicos têm a posição do filho mais velho do Evangelho de hoje: tem tudo em casa. Trabalham com afinco, mas não sabem repartir e não sabem perdoar. Isso é uma atitude que deve ser extirpada da vida dos cristãos. O dever de casa de hoje é o seguinte: vamos pensar nesta semana como vamos fazer para tirar o calo da autossuficiência dos nossos corações.

            O que importa é reconhecer que tudo é dom de Deus. O fato de uma pessoa viver como cristão, fazendo o bem, não pode levá-la a excluir a ninguém. Pelo contrário, somos convidados a participar da festa da bondade de Deus. Esta reconciliação com Deus em Cristo Jesus constitui uma experiência pascal, que deve ser celebrada. E uma vez na paz e na graça de Cristo, praticando o perdão, a misericórdia e a acolhida Deus nos abençoará com grande fartura de bens e de graças espirituais. Assista-nos São José, padroeiro da Igreja Universal, a trilhar neste tempo de quaresma a busca da conversão e da misericórdia. Amém!

 

Padre Wagner Augusto Portugal

 

 

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