“Confiei, Senhor, na vossa misericórdia; meu coração exulta porque me salvais. Cantarei ao Senhor pelo bem que me fez” (Cf. Sl 12,6).
Meus
queridos Irmãos,
A
liturgia da Santa Igreja nos mostra que Jesus propôs a salvação aos pobres,
como destinatários especiais, ou melhor, preferenciais. A graça e a gratuidade
de Deus se manifestam aos pobres, aos pequenos, aos excluídos, aqueles que
estão à margem da sociedade.
Irmãos
e Irmãs,
A liturgia do Tempo Comum é uma
grande escola para a nossa vida diária. O cristão precisa educar-se para a
gratuidade do amor e do perdão: esse é o resumo da liturgia de hoje. Vamos
continuar refletindo à senda do Evangelho de domingo passado, em que Jesus está
pregando na planície, onde hoje refletimos a mais bela página do Evangelho de
Lucas: devemos, indistintamente, amar a todos como Deus ama a todos
indistintamente. Isso é fácil? Realmente, aos olhos dos homens, é muito
difícil. Isso porque? Porque Jesus é radical ao dizer que devemos amar a nossos
INIMIGOS. Isso é possível? Sinceramente, somente aos olhos da fé,
isso é possível depois de um grande combate espiritual e de uma absoluta
transparência e coerência entre fé e vida.
Partindo dos nossos inimigos nós
vamos procurar enxergar o rosto misericordioso de Jesus que nos pede, com
grande insistência, que devemos amar a todos, principalmente, os nossos
inimigos.
O que Jesus, então, nos pede?
Categoricamente Ele determina que: “Amai os vossos inimigos!” Amar como?
Amar para que? Amar por que? É simples: aos inimigos se deve fazer o bem, rezar
pelo inimigo, não julgar o inimigo, mas amá-lo e pedir a sua conversão e
mudança de vida, de atitude.
Porque amar o inimigo? Não cabe
racionalização a respeito desta determinação de Jesus: temos que superar a
razão e deixar que fale a nossa alma. Amar os inimigos, porque esta é a atitude
de Deus Pai e de Jesus Cristo. É fácil? Em absoluto. Pelo contrário. Mas neste
chamado combate espiritual de amor que nós vamos superar a nossa
auto-suficiência e deixar manifestar o amor misericordioso de Deus que
determina o amor até aos inimigos.
Mirando nossos pensamentos e nossas
atitudes em Jesus Misericordioso, o Homem que aboliu o rigorismo da Antiga Lei,
dando-lhe nova teleologia, para que a MISERICÓRDIA reinasse sob a lei do
Talião.
Como canonista digo e repito que
sendo necessário a salvação de qualquer alma o direito deve ser deixado de
lado. É muito mais importante a salvação das almas do que o rigorismo
legalista. Jesus veio abolir e dar nova conotação à lei, dando-lhe uma nova interpretação,
a do código da caridade, do amor, da acolhida, da misericórdia, do perdão, da
amizade em Deus.
Irmãos
e Irmãs,
A amizade é uma graça e um dom de
Deus. Diz as Escrituras que quem encontra um amigo encontra um tesouro que não
pode ser vendido. Entretanto é muito comum nós encontrarmos pessoas que, sem
motivo algum, até sem conhecer a nossa pessoa, ficam nossas inimigas. Inimigos
existem por ouvir dizer, por preconceito, por medo do diferente, por medo de
perder a sua posição. Todas motivações dos homens limitados e sem espírito e
abertura a fé que manda acolher a todos como irmãos formando comunidade.
O que é amar os inimigos? Amar os
inimigos é perdoar aquelas pessoas que nos fazem alguma atitude de maldade.
Perdoar é mais que esquecimento. Perdoar é mais do que deixar de lado ou deixar
para lá. Amar significa doar uma parede de mim mesmo. Isso mesmo! Amar é
arrancar uma parte do seu próprio ser. Amar significa doação do meu amor
fraterno. E amor é um sentimento que não coaduna com o fingimento, com a
calúnia, com a maledicência. Amor é gratuidade, é acolhida, é generosidade.
O
perdão é uma virtude espiritual. Porque humanamente quando somos ofendidos a
primeira atitude é o revide. Ao contrário, o amor, como ensina a doutrina da
Igreja exige sacrifício, mudança de mentalidade, correção de metas e de rotas.
Jesus chamou a tudo isso de conversão, de mudança profunda de vida.
O
cristão não pode recorrer às armas, à violência, à mentira, à vingança para
resolver qualquer situação de injustiça que o atingiu. Esta é a lógica dos
seguidores de Jesus, desse que morreu pedindo ao Pai perdão para os seus
assassinos. A lógica de Jesus – a lógica dos seguidores de Jesus – é
precisamente a única que é capaz de pôr um travão à violência e ao ódio. A
violência gera sempre mais violência; só o amor desarma a agressividade e
transforma os corações dos maus e dos violentos.
Meus
amigos,
O amor aos inimigos é justificado
teologicamente pela fala de Jesus, Nosso Senhor: “Sede misericordiosos
como o vosso Pai é misericordioso”. Se Deus perdoa os nossos pecados e,
pela ação da Igreja, nos retorna para a sua amizade pelo perdão sacramental,
porque nós não podemos ser misericordiosos com aqueles que nos atacam, que nos
perseguem e nos caluniam.
Aqui tem um sinal de vocação do
profeta: aquele que é chamado por Deus ao seu Seguimento é sempre malvisto e
mal interpretado no meio de sua parentalha e de sua terra natal. Isso porque?
Porque a parentalha e os conterrâneos enxergam os homens mais pelos seus
defeitos do que pelas suas virtudes. Qualquer profeta que é muito caluniado,
esse conta com a graça de Deus, porque nem Jesus foi aceito pelos nazarenos
como o Senhor.
A misericórdia nos pede um amor
incontido! A misericórdia nos pede que aceitemos o próximo, que aceitemos o
diferente, que amemos aqueles que pensem e agem diferentes de nosso pensamento
e do nosso agir.
Nós devemos amar nossos inimigos e
perdoar sempre, porque Deus é magnânimo e generoso sem limites. É muito comum
nós esperarmos que o adversário dê sinais de arrependimento ou de algum
achegamento. Mas não é esse o caminho ensinado por Jesus. Devemos amar o
inimigo independentemente de seu arrependimento ou da reparação que ele possa
fazer.
Jesus
vem dar uma nova interpretação a visão humana de Deus dos homens do Antigo
Testamento. Deus é bom! Deus é amor! Deus é misericórdia! Esse é o ensinamento
de Jesus para nós na liturgia deste domingo. Jesus, conhecendo perfeitamente a
imagem de Deus Pai, mostra-nos uma face inteiramente diferente e inverte as
coisas: quer que nós meçamos o comportamento humano com a medida do
comportamento de Deus. A força do perdão vamos insistir é uma escola em que
todos nós devemos nos matricular, devemos freqüentar e alimentar dela com
grande e insistente desejo pio. Educando-nos, diuturnamente, para amar
gratuitamente como Cristo-Deus nos amou e nos ama (Cf. Jo. 13, 34).
Meus
queridos amigos,
A estrada do perdão e o caminho do
amor é muito espinhoso e depende muito de nossa vontade de aderir a este “iter”,
ou seja, a este caminho. Cristo não eliminou o mundo velho e a sua ambigüidade.
Mas, Jesus, ao contrário, nos pediu que, no meio do mundo da realidade humana,
os cristãos vivessem numa mentalidade e num agir novos, fundamentados no
comportamento de Deus revelado pelo seu Filho Redentor.
Todos
nós somos convidados a nos matricular na escola de Jesus. Todos somos
convidados a abandonar o instituto humano e aplicarmos a nova lei, a lei da
misericórdia, à lei do perdão, a lei do amor, a lei da acolhida, a lei da
caridade.
Se Cristo nos pede e nos dá exemplo
que é necessário amar os inimigos, abençoar aqueles que nos amaldiçoam, rezar
pelos que nos maltratam, é porque Jesus fez este caminho e tomou estas atitudes
na sua peregrinação entre nós. Por isso cantemos com Paulo: “Onde abundou
o pecado, superabundou à graça”(Cf Rm 5,20). Tenhamos, pois, a atitude
de Jesus que perdoou e que, por conseguinte, amou.
Caros
irmãos,
A Primeira Leitura (cf. 1Sm
26,2-79.12-13.22-23) nos apresenta duas formas
de lidar com aquilo que nos agride e nos violenta. De um lado, está a atitude
agressiva, que paga na mesma moeda, que responde à violência com uma violência
igual ou ainda maior e que pode chegar, inclusive, à eliminação física do nosso
agressor. Esta é a atitude de Abisai.
Do outro lado, está a atitude de quem
recusa entrar numa lógica de agressão e se propõe perdoar, evitando que a
espiral de violência atinja níveis incontroláveis: essa é a atitude de Davi.
É evidente que é a atitude de Davi que os
teólogos deuteronomistas sugerem aos batizados. Davi é apresentado como o
protótipo do homem bom, que pode vingar-se do agressor, mas não o faz, pois
sabe que a vida do outro é sagrada e inviolável. Não é espantoso que, cerca de
mil anos antes de Cristo, numa época de grande brutalidade, a catequese de
Israel ensine que o perdão é a única saída para a violência?
A lógica da violência tem feito parte da história humana.
Nos últimos cem anos conhecemos duas guerras mundiais e um sem número de
conflitos resultantes dessa lógica. Aqui temos milícias e guerras urbanas, num
verdadeiro estado paralelo dentro do Estado oficial. Como resultado, foram
mortos muitos milhões de seres humanos e o mundo conheceu sofrimentos
inqualificáveis. Vivemos dominados pelo medo e pela violência. Por isso é
necessário, também, aplicarmos a reflexão sobre a violência à nossa vida pessoal…
Como me situo face à lógica da violência e da agressão? Quando alguém tem
pontos de vista diferentes dos meus, grito mais alto para o vencer, ou utilizo
a violência física? Agrido-o na sua honra e na sua dignidade, se não puder
vencê-lo pela força dos argumentos? A minha lógica é a do “olho por olho, dente
por dente”, ou é a lógica do perdão e do amor?
Uma pergunta é urgente nestes tempos em que se mata por
nada e que se perdeu o sentido da sacralidade da vida humana: qual a minha
atitude face a esse valor supremo que é a vida humana? Há algo que justifique a
morte do inimigo, a cadeira elétrica, a injeção letal, o tiro na nuca, o
atentado terrorista, o enforcamento? À luz da Palavra de Deus que hoje nos é
proposta, justifica-se a eliminação legal de pessoas (pena de morte)?
Amigos
e Amigas,
São Paulo, o convertido apóstolo que
universalizou a pastoral, explica na segunda Leitura (cf. 1Cor 15,45-49) que a
ressurreição é uma outra realidade que aquele que vivemos empiricamente. Em
termos filosóficos é uma realidade transcendental. Em termos bíblicos é uma
realidade espiritual, não carnal. É uma nova criação, uma realidade
completamente nova. O que foi semeado na condição humana é ressuscitado na
condição divina. A vida não é tirada ao fiel, as também não continua como antes
da morte; é transformada, pertence a uma outra realidade do que a da células e
moléculas físicas. Cristo é o novo Adão, primogênito desta nova ordem, a ordem
do Espírito Santo. Assim deve ser também o perdão, como a ressurreição, não na
ótica da carne, mas na ótica do espírito, com vistas à vida eterna. Quem não
perdoa, quem não ama e quem não é misericordioso não entra no Reino das
bem-aventuranças.
A
afirmação básica de São Paulo é que os mortos serão objeto de uma profundíssima
transformação para chegar ao estado de ressuscitados. Não se pode falar, sem
mais, de uma simples continuidade entre o corpo terrestre e o corpo
ressuscitado. Ambos são corpos, mas as suas caraterísticas são claramente
distintas, opostas até.
Para explicar isto, São Paulo recorre à figura
de Adão. De um lado, está o primeiro Adão, tirado do barro, homem terreno e
mortal, que é o modelo da nossa humanidade enquanto caminhamos neste mundo. Do
outro, está o segundo Adão (Cristo ressuscitado) que, por ação do Espírito, se
torna “corpo espiritual”. O modelo a que devem equiparar-se os batizados é o do
segundo Adão, Jesus Ressuscitado: incorporados pelo batismo em Cristo, os
batizados equiparar-se-ão a Cristo ressuscitado e serão, como Ele, um “corpo
espiritual”.
O que é esse “corpo espiritual”? São Paulo
não o explica; mas, na tradição bíblica, “espírito” não é sinónimo de
imaterialidade, mas sim de força, de vitalidade, de poder, de criatividade. Portanto, falar da nossa
ressurreição é falar desse estado em que seremos um “corpo espiritual”, à
imagem de Cristo ressuscitado. Nesse “corpo espiritual” estará presente o homem
inteiro, dotado de novas qualidades – as qualidades do Homem Novo.
A ressurreição é a passagem para uma nova
vida, onde continuaremos a ser nós próprios, mas sem os limites que a
materialidade do nosso corpo nos impõe. Será a vida em plenitude ou, como diz
Karl Rahner, “a transposição no modo de plenitude daquilo que aqui vivemos no
modo de deficiência”. A morte é o fim da vida; mas fim entendido como meta
alcançada, como plenitude atingida, como nascimento para um mundo infinito,
como termo final do processo de hominização, como realização total da utopia da
vida plena.
Peçamos,
pois, com fé, para chegar a perfeição do amor, que também se chama caridade, a
partir de Deus, com força do Espírito de Cristo. Só este amor, capaz de perdoar
e de ser perdoado, é que gera a comunidade conjugal, familiar, eclesial e
social. Isso exige que acreditemos na força do Espírito de Deus na vida do ser
humano. Estamos diante do corpo espiritual do segundo homem que vem do céu, da
imagem do novo Adão, de Jesus Cristo Ressuscitado. Com Cristo, por Cristo e em
Cristo o cristão pode tornar-se cada dia Corpo dado e Sangue derramado para a
vida do próximo. Isto é amor como Cristo amou, este é o caminho da vida, neste
mundo, que pavimenta a vida eterna. Amém!
Prezados irmãos,
A narrativa de Davi e Saul no
deserto de Zif proporciona um olhar atento sobre as dinâmicas éticas e
políticas tanto na esfera da liderança quanto em nossa vida pessoal.
A reflexão teológica de
Paulo sobre a ressurreição e a transformação espiritual nos convida a
considerar como nossas crenças fundamentais sobre a vida após a morte
influenciam nossa conduta ética e nossa esperança no futuro.
O ensinamento de Jesus é
profundo e desafia as normas sociais ao propor o amor aos inimigos e a prática
da generosidade sem esperar retribuição.
O 7º domingo do Tempo
Comum nos convida a uma experiência reflexiva sobre a ética do Reino de Deus.
Em meio às incertezas e desafios do mundo contemporâneo, somos provocados a
viver segundo os princípios da misericórdia, do perdão e do amor incondicional,
ensinados por Jesus. O perdão cristão não pode ser reduzido a um ato de justiça
ou imposto como um dever social. Juridicamente, o perdão não tem lugar; o
código penal não contempla o ato de perdoar. O gesto surpreendente e, muitas
vezes, heroico do perdão surge do amor gratuito, sem depender de condições
prévias. Não exige nem reivindica nada em troca. Quando perdoamos, é por amor
genuíno. Estabelecer condições para o perdão é distorcer sua verdadeira
essência. Que esses ensinamentos sejam mais do que reflexões teóricas,
tornando-se o fundamento de uma vida comprometida com a construção de um mundo
mais justo e compassivo, que reflita a imagem do Reino do Deus da vida.
Caros irmãos,
Na lógica do mundo em que
vivemos, não responder a uma atitude hostil ou violenta é sinal de fraqueza,
medo, covardia e passividade. Desafiar um inimigo e pagar com a mesma moeda é
visto como virtude, coragem e fortaleza. Muitos assumem posições radicais na
sociedade, defendendo suas opiniões com extremismo. Tais princípios, muitas
vezes, têm contribuído para polarizações destrutivas, que não apenas impedem o
diálogo, mas também provocam profundas divisões entre grupos, pessoas, famílias
e membros das comunidades. Atitudes como considerar o outro como inimigo, como
oponente, podem desencadear muitos conflitos e levar as pessoas a praticar
ações desumanas. Para um cristão, é possível acreditar que a dinâmica do
confronto nos faz mais livres e felizes? O que se conquista com a destruição
dos inimigos?
Segundo a proposta de Jesus,
nossa força e coragem se manifestam precisamente por meio da capacidade de
inverter a lógica da hostilidade, da rejeição e da violência, e estender a mão
até a quem nos ofendeu, caso precise de nossa ajuda. Quem segue Jesus não pode
adotar uma postura agressiva ou violenta para resolver uma situação de
injustiça. O que caracteriza o cristão é a disposição para dialogar, para dar o
primeiro passo em vista do reencontro, da reconciliação e do perdão. Isso não
significa esquecer ou ignorar o mal, e sim tomar uma atitude positiva, não
violenta, diante dos conflitos, proporcionando caminhos para a construção da
paz.
Vamos oferecer a outra face a
quem nos agride! O princípio do amor gratuito e misericordioso é que move nossa
vida, não cabe senão desejar que esse mesmo princípio comece a mover a vida das
outras pessoas. Ainda que haja tanta gente já machucada nas duas faces, ainda
que nós mesmos por vezes nos sintamos assim, nem por isso temos o direito de
sair por aí agredindo e machucando os outros, porque, como sabemos, violência
gera violência, e o Mestre é o exemplo de que ódio é com amor que se paga.
Gratuidade e misericórdia deve ser o norte de nossa vida cristã.
Padre Wagner Augusto Portugal.
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