“Entrai, inclinai-vos e prostai-vos: adoremos o Senhor que nos criou, pois ele é nosso Deus”. (cf. Sl 94, 6s)
Meus
queridos Irmãos,
Vamos caminhando adentro do tempo
chamado comum ou cotidiano: Deus se realiza na história e nos convida a avançar
para as águas mais profundas. Neste quinto domingo do Tempo Comum nós somos
convidados a refletir sobre a nossa vocação cristã, a vocação que Jesus nos
convida a sermos pescadores de homens. Isso sim, mesmo sendo tempo de Carnaval,
não podemos deixar de participar da missa de preceito no domingo. Isso alimenta
a nossa pertença cristã.
Caros irmãos,
A Primeira Leitura (cf. Is.
6,1-2a.3-8) nos apresenta a vocação de Isaías, resumida em uma palavra –
PRONTIDÃO. Ao adorar no Templo, Isaías experimenta a presença do Deus inacessível
(6,1-4) e toma consciência de sua impureza diante do Sagrado (6,5). Mas Deus o purifica
(6,6-7), para lhe conferir sua missão, que Isaías prontamente aceita (6,8). Por
amor de Deus, terá que dirigir palavras duras ao povo do meio do qual ele é
chamado.
A “purificação” sugere que a indignidade e a
limitação não são impeditivas para a missão: a eleição divina dá ao profeta
autoridade, apesar dos seus limites bem humanos. Temos a aceitação da missão
pelo profeta. Convém, a propósito, notar o seguinte: Isaías oferece-se sem
saber ainda qual a missão que lhe vai ser confiada; manifesta, dessa forma, a
sua disponibilidade absoluta para o serviço de Deus.
Da primeira leitura nós podemos concluir que cada um de nós, como
batizados, temos um itinerário de vocação: de muitas formas Deus entra na nossa
vida, nos desafia para a missão, pede uma resposta positiva à sua proposta. A
missão que Deus propõe está, frequentemente, associada a dificuldades, a
sofrimentos, a conflitos, a confrontos… Por isso, é um caminho de cruz que, às
vezes, procuramos evitar. Nesse sentido é preciso ter consciência, também,
que as minhas limitações e indignidades muito humanas não podem servir de
desculpa para realizar a missão que Deus quer me confiar: se Ele me pede um
serviço, dar-me-á a força para superar os meus limites e para cumprir o que Ele
me pede. O Profeta Isaías aceita o envio, ainda antes de saber, em concreto,
qual é a missão. É o exemplo de quem arrisca tudo e se dispõe, de forma
absoluta, para o serviço de Deus.
Irmãos e Irmãs,
Jesus hoje não está na sinagoga. Seu
afastamento da sinagoga não significa rompimento, mas alargamento. A sinagoga
era sectária, isto é, reservada aos observantes da lei de Moisés. Para o
Evangelista São Lucas, Jesus viera trazer uma mentalidade e uma espiritualidade
universalista. Assim Lucas coloca Jesus fora da sinagoga pregando em praças, em
estradas, nas praias, etc.
Todos os elementos estão presentes no Evangelho de hoje(cf.
Lc. 5,1-11): a terra, o mar, o céu aberto, a multidão, os indivíduos com seus
nomes, a pregação, o trabalho, o fracasso, a confiança, a abundância, a
presença do Senhor, a presença de um homem pecador, o medo, a admiração, o
tempo presente, o tempo futuro, a partilha do trabalho apostólico e a derrota
de Satanás. Jesus não só prega sobre as ondas, isto é, sentado com poder sobre
os demônios, mas faz a pesca milagrosa, mostrando poder também nas profundezas,
aonde apenas chegava a fantasia popular.
Irmãos
e Irmãs,
Lucas coloca Jesus escolhendo Pedro
para a pregação. Neste episódio Lucas relembra o doce convite de Jesus: “Vamos lançar as redes para as águas mais profundas”
(cf. Lc.5,5). O que significa
isso, lançar as redes para as águas mais profundas? Significa que todos nós
somos convidados a evangelizar, a evangelizar com renovado ardor missionário em
que todos os homens e mulheres devem deixar o seu comodismo e dar testemunho do
Senhor Ressuscitado.
Jesus pregou a multidão a PALAVRA
DE DEUS. A Palavra é o próprio Jesus. Jesus, por iniciativa
própria, escolhe alguns para participarem de sua missão. Ninguém é presbítero
por vontade própria, mas por chamado e mandato de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Assim acontece com os religiosos, com as religiosas, com os consagrados e com
todos aqueles que se dedicam ao seguimento de Jesus. Jesus escolhe seus
discípulos e os envia para “pescadores de homens”. Os escolhidos
para a missão eram pescadores. Porão sua experiência humana a serviço de uma
missão divina, como Jesus pusera sua divindade a serviço de uma missão humana,
na peregrinação neste vale de lágrimas.
O que é ser pescadores de homens?
Precisa de santidade? Precisa de ciência? Isso, evidentemente, ajuda e vem com
o tempo. Mas as condições para ser pescadores de homens são duas: 1. Uma
confiança inabalável em Jesus. Uma confiança como aquela de Pedro, que
exausto da pesca, da falta de peixe, confiou em Jesus e a barca transbordou de
pesca depois da confiança no Redentor. Confiança que todos nós devemos ter
sempre e em todas as circunstâncias, é uma qualidade do apóstolo do Senhor. 2.
A segunda condição vem do reconhecimento da divindade de Cristo. Quando
Pedro se ajoelha e reconhece a sua pequenez, a sua nulidade, o seu estado de
pecador você adere e se abre para a graça santificante de Deus. O discípulo de
Jesus não pode ser orgulhoso, ao contrário, deve ser humilde, generoso e amigo.
Irmão no meio dos irmãos a serviço da comunidade de fiéis. O apóstolo tem que
ter consciência de que a seara não lhe pertence, mas que nela é um trabalhador
vocacionado, um servidor. Essa humildade de reconhecer-se, apesar da
inteligência, do jeito e da experiência, mero cooperador de Deus, é também
condição fundamental para o verdadeiro apostolado. O apóstolo é um
prolongamento de Jesus. A palavra pertence a Jesus, mesmo quando pronunciada
pelo apóstolo. As mãos eram de Pedro, as redes eram de Pedro, a barca era de
Pedro, o trabalho foi de Pedro, mas o milagre foi e é de Jesus. Junto a isso
temos que ter na vida de comunidade e de trabalho apostólico a edificação da
comunidade, do trabalho coletivo, do trabalho em benefício da comunidade.
Devemos tomar consciência de que nosso caminho é feito no
barco de Jesus, ou, às vezes, embarcamos em outros projetos onde Jesus não está
e fazemos deles o objetivo da nossa vida.
Por isso somos
instados a deixar que Jesus viaje conosco. Por isso ao longo da viagem,
devemos ser sensíveis às palavras e propostas de Jesus. Com segurança da fé as
suas indicações são para nós sinais obrigatórios a seguir, quando reconhecemos
que Jesus é “o Senhor” que preside à nossa história e a nossa vida, em que o
centro do qual constituímos nossa existência está no Senhor. Chamados a ser
“pescadores de homens”, temos por missão combater o mal, a injustiça, o
egoísmo, a miséria, tudo o que impede os homens nossos irmãos de viver com
dignidade e de ser felizes.
O Evangelho põe em paralelo o “caminho
cristão”, tal como Lucas o descreve no Evangelho de hoje, com esse caminho – às
vezes não tão cristão como isso – que vamos percorrendo todos os dias.
Considerar as seguintes questões: O nosso caminho é feito no barco de Jesus,
ou, às vezes, embarcamos noutros projectos onde Jesus não está e fazemos deles
o objectivo da nossa vida? Por outro lado, deixamos que Jesus viaje connosco
ou, às vezes, obrigamo-l’O a desembarcar e continuamos viagem sem Ele? Ao longo
da viagem, somos sensíveis às palavras e propostas de Jesus? As suas indicações
são para nós sinais obrigatórios a seguir, ou fazem mais sentido para nós os
valores e a lógica do mundo? Reconhecemos, de fato, que Jesus é o “Senhor” que
preside à nossa história e à nossa vida? Ele é o centro à volta do qual
constituímos a nossa existência, ou deixamos que outros “senhores” nos
manipulem e dominem? Chamados a ser “pescadores de homens”, temos por missão
combater o mal, a injustiça, o egoísmo, a miséria, tudo o que impede os homens
nossos irmãos de viver com dignidade e de ser felizes. É essa a nossa luta?
Sentimos que continuamos, dessa forma, o projeto libertador de Jesus?
Meus
irmãos,
A Segunda Leitura (cf. 1Cor 15,1-11 ou 15,3-8.11) apresenta
o Evangelho de Paulo: a Ressurreição de Cristo. Este trecho paulino é a fórmula
mais antiga do querigma cristão, o anúncio de Cristo morto e ressuscitado.
Paulo inclui-se na lista das testemunhas, pois ele também viu o Senhor
glorioso, no caminho de Damasco. Na fé da ressurreição baseia-se toda a
esperança da vida cristã. A Segunda Leitura é ligada ao Evangelho na
transformação da vocação, ou melhor, o encontro com Cristo opera nas pessoas.
Pode-se propor esta idéia para a aplicação pessoal na vida de cada um. Pois não
é preciso fazer parte da hierarquia para receber tal vocação transformadora.
Transformadora, não só da gente, mas também do mundo em que a gente vive. A
ressurreição de Cristo garante-nos que não há morte para quem aceita fazer da
sua vida uma luta pela justiça, pela verdade, pelo projeto de Deus.
A ressurreição de Cristo é um fato
real, mas ao mesmo tempo sobrenatural e meta-histórico, algo que ultrapassa
completamente as categorias humanas de espaço e de tempo, a fim de entrar na
órbita da fé. É algo que a ciência histórica não pode demonstrar, porque
corresponde a uma experiência de fé. O que, historicamente, podemos comprovar,
é a incrível transformação dos discípulos que, de homens cheios de medo, de
frustração e de covardia, se converteram em arautos destemidos de Jesus, vivo e
ressuscitado.
Além do mais, a ressurreição é um fato
que ocorreu, mas que continua a ocorrer; continua a ter a eficácia primitiva,
continua a ser capaz de converter em homens novos, a quantos aceitam Jesus pela
fé. A comunidade cristã é convidada a fazer esta descoberta, a partir das
Escrituras, do Espírito e da própria vida nova que continuamente vai nascendo
nos cristãos.
Será um dado adquirido, para qualquer
cristão, a ressurreição de Jesus. No entanto, essa ressurreição é, para nós,
uma verdade abstrata que afirmamos no credo, ou algo vivo e dinâmico, que todos
os dias continua a acontecer na nossa vida e na nossa história, gerando vida
nova, libertação, amor, numa contínua manifestação de Primavera para nós e para
o mundo?
A ressurreição de Cristo garante-nos que não
há morte para quem aceita fazer da sua vida uma luta pela justiça, pela
verdade, pelo projecto de Deus. Será que temos consciência disso? A certeza da
ressurreição encoraja-nos a lutar, sem a paralisia que vem do medo, por um
mundo mais justo, mais fraterno, mais humano?
Devemos ter a consciência de que a ressurreição de Cristo,
fulcro de nossa fé, é totalmente contrária a teoria mundana da reencarnação.
São antagônicas. Não é possível ser cristão e professar ao espiritismo ao mesmo
tempo, porque são antagônicos. Os padres devem ter coragem de ensinar o povo,
falar a verdade e educar os cristãos nos valores do Evangelho.
Prezados
irmãos,
Quando refletimos sobre a vida de Isaías, Pedro e Paulo em
relação à resposta que deram ao chamado de Deus, algo comum que se destaca é o
sentimento de inadequação ao chamado, por um lado, e a resposta cheia de
generosidade e confiança naquele que chama, por outro. É isso que qualifica a
pessoa para a missão. Reconhecer os próprios limites, mas responder
positivamente e deixar a graça de Deus agir. Como nos fala o Papa Francisco, os
orgulhosos e soberbos nunca irão se colocar diante dos seus como servos humildes,
mas, quando deixamos a graça de Deus agir em nós, então descobriremos o chamado
especial que ele reserva a cada um.
Ao falar sobre o chamado universal à santidade, o Papa
Francisco lembra que essa meta não atingimos pelas próprias forças, mas é fruto
da graça, da ação de Deus em nós. Cada um de nós segue seu próprio caminho de
santidade, abraçando as fadigas do dia a dia. Responder à nossa vocação de
batizados implica a consciência de que precisamos estar intimamente ligados a
Jesus Cristo, como os ramos da videira ao tronco. O caminho que todo discípulo
é chamado a percorrer é o da santidade, como resposta ao dom de Deus, assumindo
as responsabilidades e deveres cotidianos e procurando fazer tudo com amor e
caridade.
Irmãos
e irmãs,
Assim como Isaías, Pedro e Paulo, somos desafiados e
convidados a responder ao chamado do Deus da vida. A visão de Isaías e a
experiência de Pedro na pesca milagrosa destacam a necessidade contínua de
purificação e transformação do nosso ego.
Pedro obedeceu à palavra de Jesus e testemunhou um milagre!
Dessa mesma forma, somos desafiados a examinar onde precisamos crescer em fé e
obediência em nossa vida. O pecado permeia tanto os fiéis quanto as
instituições, desde a hierarquia até o povo de Deus, das lideranças às
comunidades cristãs. Todos necessitamos de um caminho de conversão!
O 5º domingo do Tempo Comum nos desafia a reconhecer
o profundo amor de Deus por todos nós, a assumir nossa própria indignidade e a
acolher a graça profética que capacita para a missão. Que possamos, como
Isaías, Paulo e Pedro, responder ao chamado de Deus com fé, obediência e
disposição, proclamando a mensagem que cura a todos e vivendo como discípulos
de Jesus. Que nossa vida manifeste a resposta corajosa e humilde ao chamado de
Jesus: “Não tenhas medo; não tenhas receio de reconhecer tua condição de pecador
e de aproximar-te de mim”. Esta é a experiência do fiel: ele reconhece sua
pecaminosidade, mas, ao mesmo tempo, sabe-se aceito, compreendido e amado
incondicionalmente pelo Deus revelado em Jesus.
Caros
irmãos,
Qual é o conteúdo da missão dos
apóstolos? A segunda leitura explicita a nossa indagação: o anúncio de Cristo
morto e ressuscitado. Olhem só como Paulo, o apostolo dos gentios, assume essa
missão com toda a força. Para pescar na empresa de Jesus precisamos de
transmitir o que recebemos a seu respeito, a mensagem de sua vida, morte e
ressurreição. Esta é o núcleo central do apóstolo, da missão, da pastoral. Mas,
para sermos escutados, talvez devamos abordar o assunto por um outro lado, mais
próprio da situação das pessoas. De todas as maneiras devemos chegar a
comunicar que Jesus por sua vida e morte nos mostrou quem é Deus e qual é o
sentido de nossa vida e da nossa história: amou até o fim, dom de vida.
Transmitir isso é o que se chama “tradição” cristã, a memória de
Cristo que devemos manter viva na história e na comunidade.
Rezemos, pois, para que em cada
missa a comunidade crista se sinta convidada a realizar uma intensa experiência
de Deus para que, em seguida, participe da missão libertadora de Cristo, Jesus.
Daí os momentos de profunda adoração em forma de doxologia, como os pórticos de
entrada nas diversas partes da Missa. Assim Jesus nos dirá; “Não tenhais medo. Ide também vós e preparai
os corações das pessoas para a minha chegada. Amém!”.
Padre Wagner Augusto Portugal.
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