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FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR


“Recebemos, Senhor, vossa misericórdia no meio do vosso templo. Como vosso nome, ó Deus, assim vosso louvor ressoa até os confins da terra; vossa destra está cheia de justiça” (Cf. Sl 47,10-11)

Meus irmãos,

Celebramos hoje a festa da apresentação de Jesus ao Senhor Deus, conforme a prescrição da lei judaica para os primogênitos masculinos. Passados quarenta dias do nascimento de Jesus, a Sagrada Família viaja ao Templo em Jerusalém a fim de cumprir duas prescrições da Lei: a apresentação do primogênito (cf. Ex 13, 2. 12-13) e a purificação da mãe (cf. Lev 12, 2-8). Os dois mistérios estão unidos na festa de hoje. Na Lei de Moisés o primogênito masculino pertence a Deus, mas pode ser resgatado mediante um sacrifício, originalmente um cordeiro, mas, no tempo de Jesus, o pagamento de cinco ciclos de dinheiro. A apresentação da criança ao santuário era facultativa. Quem quiser que faria. Os que fizessem davam testemunho de apreciada vida piedosa. A apresentação, no caso do Senhor Jesus, se realizou no quadragésimo dia, coincidindo com o sacrifício da purificação da Mãe, igualmente uma instituição antiguíssima. O ritual do sacrifício da purificação consistia na apresentação de um cordeiro de um ano, de uma rola ou pombinha em sacrifico pelo “pecado”. E, especificamente, no caso dos mais pobres o ritual poderia ser simplificado por um par de rolas ou de pombinhas, como foi o caso da Bem-aventurada Virgem Maria que apresentou a simplicidade de sua vida.

Em conformidade com a Lei de Moisés (Ex 13,1-2.11-16; Lv 12,1-8), quarenta dias após o nascimento de Jesus, “Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor” (Lc 2,22). A Apresentação do Senhor ao Templo encerra as celebrações natalinas e, com a oferta da Virgem Mãe e a profecia de Simeão (Lc 2,33-35), abre caminho rumo à Páscoa.

Prezados irmãos,

O simbolismo da Festa da Apresentação do Senhor. Antes de tudo cabe recordar que o episódio descrito por Lucas nos remete a duas prescrições do Antigo Testamento: O resgate do primogênito (Ex 13,1-2.11-16), recordação do êxodo, quando os primogênitos do Egito morreram e os filhos de Israel foram poupados (Ex 12). Assim, todo primogênito “pertencia” a Deus e deveria ser “resgatado” pelos pais com uma oferta de cinco siclos de prata, a serem entregues a qualquer sacerdote (Nm 18,15-16).

O Papa Bento XVI chama a atenção para o fato de que Lucas não menciona que Maria e José tenham realizado o “resgate” propriamente dito. Com efeito, o Menino pertence totalmente a Deus - afinal, é o próprio Deus (cf. Jo 1,1-18) -, inteiramente unido ao Pai na comunhão de amor do Espírito Santo.

Em segundo lugar temos a purificação da mãe (Lv 12). A Lei judaica era baseada no “horror sanguinis”: o contato com sangue, incluindo o parto, gerava impureza. Assim, no 40º dia após o nascimento do filho a mulher devia oferecer um sacrifício expiatório. Por isso, como veremos, a celebração do dia 02 de fevereiro no Rito Romano foi conhecida por muito tempo como “Purificação de Maria”.

O número 40, além disso, é particularmente simbólico na Sagrada Escritura: remete à aliança – a aliança de Deus com a humanidade após o dilúvio, a aliança do Sinai após os 40 dias que Moisés permaneceu sobre o monte - e ao tempo da provação e da penitência - a peregrinação de Israel pelo deserto por 40 anos, os 40 dias de Jesus no deserto em oração...

Entre os cristãos orientais, a Festa da Apresentação do Senhor é chamada de Hypapanté (ὑπαπαντή), “Encontro”. Aqui vemos sintetizada a teologia da Encarnação, pela qual se realiza o “admirável intercâmbio de dons entre o céu e a terra”: Primeiro: Jesus, verdadeiro Deus, encontra-se com o seu povo, o povo da primeira aliança, representado por Simeão e Ana, e dá início ao caminho rumo ao seu sacrifício, com o qual será inaugurada a nova e eterna aliança (Lc 22,20); Segundo: Jesus, verdadeiro homem, “nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei” (Gl 4,4-5), vai ao encontro do Pai, oferecendo-lhe a nossa humanidade, para elevá-la à divindade (Lc 23,46).

Caros irmãos,

Nesta ocasião da Apresentação do Senhor Jesus o velho Simeão profetizou o papel messiânico de Jesus, atribuindo-lhe os títulos de “luz das Nações” e “glória do povo de Israel”. O que isso significa? Que Jesus é aquele que viria para salvar as Nações, ou seja, os pagãos, o povo de Israel seria o povo eleito, a partir do qual, seria o centro de irradiação para iluminar as nações. Por isso a primeira leitura (Ml 3,1-4), descrevendo a visão escatológica da visita de Javé ao seu Templo. No tempo messiânico, segundo o profeta, a presença de Deus não estaria envolta em uma nuvem, ao contrário, seria a glória manifesta, iluminando o mundo a partir do Templo. Assim podemos fazer uma conexão com o Evangelho (Lc 2,22-40) em que Lucas anuncia que JESUS É A REALIZAÇÃO desta VISITA.

“Logo chegará ao seu templo o Dominador” (Ml 3, 1), diz o profeta Malaquias na primeira leitura. É um momento único e belo: o Filho de Deus entra no seu próprio templo. É por isso que o salmo responsorial canta: “Ó portas, levantai vossos frontões! Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, a fim de que o Rei da glória possa entrar! Dizei-nos: Quem é este Rei da glória? É o Senhor, o valoroso, o onipotente, o Senhor, o poderoso nas batalhas!” (Sl 23, 7-10). Na realidade, porém, o “Deus poderoso” não queria entrar no Templo ao som de trombetas, mas apenas como uma criança entre outras. No meio das constantes idas e vindas de pessoas, entre peregrinos, devotos, sacerdotes e levitas: ninguém soube o que estava acontecendo. Apenas dois idosos, Simeão e Ana, tiveram o “Rei da Glória” em seus braços. Por este motivo, a festa da Apresentação do Senhor no Templo “é a festa do encontro: a novidade do Menino encontra-se com a tradição do templo; a promessa encontra o seu cumprimento; Maria e José, os jovens, conhecem Simeão e Ana, os idosos. Tudo se encontra, em suma, quando Jesus chega”.

O profeta Malaquias tem uma palavra forte. Nesta festa da Apresentação do Senhor, ele sugere que uma personagem vigorosa vem da parte de Deus. As características dessa personagem coincidem com a figura de Jesus na Carta aos Hebreus (Hb 2,14-18). Jesus é sinal da aliança definitiva, com poder e com força reinará.

Meus caros irmãos,

São Lucas (Lc 2,22-40 ou 22-32), em contrapartida, apresenta Jesus de forma contrastante, isto é, na fragilidade de uma pequena criança. Aliás, todo o relato respira essa fragilidade: desde os pombinhos do sacrifício até as duas figuras de longos anos como Simeão e Ana. Além disso, as palavras são inquietantes sobre o menino: ele é salvação e

luz para os povos, mas mistério e admiração para seus pais que, com certa apreensão, ouviram aquelas palavras. De todo modo, a sua apresentação é motivo de alegria para o velho Simeão, ao ponto de ele reconhecer que sua missão fora cumprida e, portanto, já poderia partir em paz. Em suma, a personagem forte e a frágil criança são a novidade para o tempo novo de paz e presença do Reino de Deus.

Simeão ainda prevê que Jesus será um sinal de contradição e uma espada de dores que atravessará o coração de sua mãe. Em redor dele se manifestarão os pensamentos profundos dos corações humanos; por causa dele, os homens se hão de dividir em pró e em contra. Essas palavras de anúncio do sofrimento da Virgem Maria são o anúncio da purificação da Mãe.

Maria é considerada a figura símbolo da Igreja. Muitas vezes se sofre na Igreja, com a Igreja e pela Igreja, e Maria é parte integrante do processo de acesso ao Senhor Jesus, como co-redentora da humanidade.

A primeira pessoa que se une a Cristo no caminho da obediência, da fé provada e do sofrimento partilhado é a sua mãe, Maria. O texto evangélico mostra-no-la no gesto de oferecer o Filho: uma oferenda incondicional que a envolve em primeira pessoa: Maria é a Mãe d’Aquele que é “glória do seu povo, Israel” e “luz que ilumina as nações” (cf. Lc 2, 32.34). E ela mesma, na sua alma imaculada, deverá ser trespassada pela espada do sofrimento, mostrando assim que o seu papel na história da salvação não termina no mistério da Encarnação, mas se completa na amorosa e dolorosa participação na morte e na ressurreição do seu Filho. Levando o Filho a Jerusalém, a Virgem Mãe oferece-o a Deus como verdadeiro Cordeiro que tira os pecados do mundo: apresenta-o a Simeão e a Ana como anúncio de redenção; apresenta-o a todos como luz para um caminho seguro pela via da verdade e do amor.

As palavras que neste encontro vêm aos lábios do idoso Simeão – “Os meus olhos viram a tua salvação” (Lc 2, 30) - encontraram eco no coração da profetiza Ana. Estas pessoas justas e piedosas, envolvidas pela luz de Cristo, podem contemplar no Menino Jesus “a consolação de Israel” (Lc 2, 25). A sua expectativa transforma-se assim em luz que ilumina a história. Simeão é portador de uma antiga esperança e o Espírito do Senhor fala ao seu coração: por isso pode contemplar aquele que muitos profetas e reis tinham desejado ver, Cristo, luz que ilumina as nações. Reconhece naquele Menino o Salvador, mas intui no espírito que em seu redor se jogará o destino da humanidade, e que deverá sofrer muito por parte de quantos o rejeitarão; proclama a sua identidade e a missão de Messias com as palavras que formam um dos hinos da Igreja nascente, do qual irradia toda a exultação comunitária e escatológica da expectativa salvífica realizada. O entusiasmo é tão grande que viver e morrer são a mesma coisa, e a “luz” e a “glória” tornam-se uma revelação universal. Ana é “profetiza”, mulher sábia e piedosa que interpreta o sentido profundo dos acontecimentos históricos e da mensagem de Deus neles escondido. Por isso pode “louvar a Deus” e falar “do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém” (Lc 2, 38). A prolongada viuvez dedicada ao culto no templo, a fidelidade aos jejuns semanais, a participação na expectativa de quantos aspiravam pelo resgate de Israel concluem-se no encontro com o Menino Jesus.

Irmãos,

A segunda leitura (Hb 2,14-18) insiste no fato de que Jesus assumiu plenamente nossa humanidade, por isso todos somos convidados à conversão e à mudança de vida, para ter acesso ao Reino de Deus. Por isso a liturgia de hoje nos manda um recado especial: ser cristão adulto implica também em assumir um processo normal, gradual, de crescimento e maturidade na fé. Não ficamos iluminados de uma vez para sempre num tempo especial de conversão. Vamos progredindo devagar, às vezes com algum retrocesso que vai ser recuperado mais adiante, tendo sempre mais o que aprender. Importante é estarmos aberto à graça de Deus e conscientes da importância e da responsabilidade da missão, sem ilusões ingênuas que podem gerar grandes decepções ao longo da caminhada.

A Carta aos Hebreus insiste no fato de que Jesus assumiu plenamente nossa humanidade. Por Seu esvaziamento na encarnação e no sofrimento, o Filho de Deus cumpriu a vontade do Pai, que assim quis conduzir muitos filhos à glória. Assumindo nossa existência e morte, Jesus tornou-se o sumo sacerdote fiel e misericordioso, aquele que santifica nossa existência e reconcilia nossos pecados. Já éramos filhos de Deus, mas agora o somos de modo renovado, puro, porque o Filho, que é o santo, nos fez entrar na comunhão com o Pai.

Jesus é apresentado no templo, revelado pelo Divino Espírito Santo como glória do vosso povo e luz de todas as nações. No menino que Maria leva nos braços, Simeão e Ana reconhecem o Salvador que Deus preparou para todos os povos. Caminhemos ao encontro de Cristo, a verdadeira luz do mundo, e celebremos com toda a Igreja o Dia Mundial da Vida Consagrada. Que Nossa Senhora da Luz nos ilumine nossos religiosos na consagração. Que Nossa Senhora da Candelária ilumine nossas vidas! Eis que vira o Senhor onipotente iluminando os nossos olhos, Aleluia!

Padre Wagner Augusto Portugal

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