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Terceiro Domingo do Advento, C.


“Alegrai-vos sempre no Senhor.

De novo eu vos digo: alegrai-vos!

O Senhor está perto!”. (cf. Fl. 4,4.5).

 A Alegria é o tema fundamental deste Terceiro Domingo do Advento, que a antiga liturgia latina chamava de Domingo Gaudete. Quando a esperada vinda está finalmente para se realizar e todos os sinais a confirmam, a esperança e a preparação se transformam em alegria e júbilo. A curto prazo, a perspectiva da vinda transforma-se em antecipação da presença. Por isso o espírito deste domingo é de Alegria, que vem de “Gaudete”, ou seja, “Alegrai-vos” (cf. Fl. 4,4-7). A Alegria que brota do sentimento de viver sempre na presença do Senhor e que assim produz em todos os cristãos não só o sentimento que por si só já deve dizer muito, mas deve produz um novo efeito de vida: o epieikes, ou seja, o bom grado – o cristão não apenas tem alegria, mas é uma alegria para quem o encontra. Isso seria verdade?

 Por isso, o Santo Evangelho (Lc 3,10-18), nos ensina que aqueles que acolhem a pregação de João, o Batista, lhe pedem normas de comportamento em vista da vinda do Messias. Essas normas se resumem em uma só palavra: ser gente. O profeta João Batista faz uma pregação muito direta, muito simples e muito objetiva: repartir aquilo que temos. Adverte aos fiscais do governo que devem ser honestos. Para os homens das forças de segurança e do exército de então ensina que não devem molestar as pessoas e contentar-se com o seu soldo. Ser gente para a Sagrada Escritura é viver o Reino de Deus, que deve se realizar no dia a dia de nossas realizações, no chamado cotidiano.

 O Profeta João Batista diz que viver o seu código de fé, os seus “sacramentos”, que iluminam a vida de um Profeta mais importante do que ele está no batismo. É um sinal do verdadeiro batismo, que um mais forte do que ele vem administrar: o batismo no Espírito e no fogo: no Espírito, para os justos, que serão impelidos pelo espírito de Deus, transformados em profetas (cf. Jl 3) e santos; no fogo, para os ímpios, que queimarão como o refugo na hora da ceifa. Para o “mais forte” já está a pá na mão para limpar o grão no terreiro.

 Meus caros irmãos,

 O Evangelho de hoje responde à pergunta que normalmente nasce de um coração arrependido e com boa vontade: “O que devo fazer?” Todos devem fazer-se essa pergunta. Mas cabe a cada um corrigir seu próprio caminho para que se encontre pessoalmente com o caminho do Senhor.

 Somos chamados a conversão. Conversão profunda, dinâmica, renovadora, como deu pistas e ensinou João Batista. Reconhecer-se pecador e querer a conversão é reconhecer em Jesus de Nazaré o Messias, que vem na força do Espírito de Deus, repartindo com o convertido o mesmo Espírito Santo.

 Por isso Jesus vem no Natal e virá no Juízo final. Durante a primeira vinda, Jesus derrama seu Espírito sobre quantos creram nele. Na segunda vinda, separará o trigo da palha, recolherá o trigo – os bons, que se deixaram fecundar pelo Espírito Santo e produziram frutos de santidade, e queimará a palha – os maus, que se encheram com a própria vontade, estéril para o balanço final. As duas vindas, Natal e Juízo final, são motivo de alegria, tema fortemente presente na Missa de hoje, particularmente nas duas primeiras leituras e no Salmo Responsorial.

 Meus irmãos,

 Na balança da vida devemos colocar as boas obras e as más inclinações, que são chamados de pecados. Jesus veio para todos. Jesus não quer excluir ninguém, assim veio para os bons, veio para os maus, veio para os justos e veio, também para os pecadores. Não é por acaso que, no Evangelho Lucas cita duas classes sociais desprezadas e tidas como pecadoras, que deviam ser evitadas pelos “bons”, embora estivessem presentes na vida de cada dia de toda a sociedade. A primeira classe é a dos publicanos, que são os cobradores de impostos. Os publicanos cobravam os impostos para os romanos e ganhavam sobre a quantidade arrecadada. Eram odiados pelo povo. Fariseus e saduceus não mantinham nenhuma convivência com eles. A segunda classe é a dos soldados. Eram mercenários, considerados permanentemente impuros pela possibilidade de haverem derramado sangue e de estarem a serviço do poder estrangeiro. Como no tempo de Jesus era proibido aos judeus o serviço militar, esses soldados que foram escutar João Batista deviam ser pagãos a serviço de Herodes Antipas. A todos, indistintamente, João pregava a chegada do Senhor: “Todos, verão a salvação de Deus”. (cf. Lc. 3,6).

 Assim, João Batista nos ensina a corrigir nossos defeitos e vícios: apego aos bens materiais, simbolizados na posse de duas túnicas ou no armazenamento de comida. A conversão exige o desapego, que se expressa muitas vezes no repartir o que se tem e o que se é com os necessitados. Nossa fé cristã é uma fé da partilha, por isso o apego generalizado que se fé é um contra-testemunho.

 A ganância é combatida porque ela provoca a fraude e o roubo. Devemos mudar de mentalidade, de caminho, e rumar para a justiça, que nunca explora nem extorque, mas prepara a consciência para a caridade fraterna.

 O abuso da força é um grave pecado a ser extirpado, como condição para receber o Messias que vem. A violência do tempo de Jesus é a mesma que, infelizmente, nós contemplamos em nossos dias. Violência política, econômica, estrangeira, familiar, abuso de toda a violência que não gera a paz e a concórdia tão necessária no seio da sociedade injusta que se instala o capital em vez da solidariedade, da partilha e do amor.

 Os três pecados apontados por João costumam andar juntos. O egoísmo não deixa repartir, a ganância, que exige sempre, mais pedem a violência para a sua defesa. Os três tornam o coração humano impermeável à graça santificante de Deus.

 Caros irmãos,

 A Primeira Leitura (Sf 3,14-18a) nos apresenta uma mensagem central: “O Senhor está no meio de ti” (Sf 1) exorta à alegria, consola. Deus revogou sua “sentença” – a ameaça dos assírios contra Judá, no final do século VII a.C). Agora é preciso ter coragem. O profeta pede alegria por causa da presença de Javé, Rei de Israel. Em Jesus, Messias, é que esta realidade chega à plenitude. A primeira leitura é um convite à alegria, porque foi revogada a sentença que condenava Judá. O amor de Deus pelo seu Povo venceu. A partir de agora, Deus residirá no meio do seu Povo; e essa nova comunhão entre Deus e Judá é uma garantia de segurança, de felicidade e de vida em plenitude. Mais: o amor de Deus – esse amor que nada consegue desmentir nem apagar – vai renovar o coração do Povo e fazer com que Judá volte para os caminhos da “aliança”; e o próprio Deus Se alegrará com essa transformação. O que renova o mundo e o transforma não é o medo, mas o amor. O medo provoca insegurança, pessimismo, angústia, sofrimento, bloqueamento. O amor é que faz crescer, é que cria dinamismos de superação, é que nos torna mais humanos, é que nos faz confiar, é que nos coloca no encontro e na comunhão. Devemos ter isto bem presente quando formos chamados a anunciar o Evangelho e a proclamar a proposta de salvação que o nosso Deus faz aos homens.

Caros irmãos,

 A Segunda Leitura (Fl 4,4-7) nos aponta a proximidade de Deus: “Alegrai-vos sempre no Senhor: ele está perto”. A proximidade de Deus é razão de alegria e de carinho para com todos os homens e mulheres. Enviado para levar a Boa Nova aos pobres e oprimidos, o apóstolo Paulo, acorrentado, alegra-se com o s seus pela proximidade do Senhor. A certeza de estar em Cristo o torna realmente livre. A alegria é fundamental, que São Paulo repete duas vezes no espaço de um versículo: “alegrai-vos”. A palavra aqui utilizada (o verbo “khairô”) que nos leva a essa “alegria” (“khara”) que os anjos anunciam aos pastores, a propósito do nascimento de Jesus em Belém. É, portanto, uma alegria que resulta da presença salvadora do Senhor Jesus no meio dos homens. Depois, São Paulo acrescenta outras recomendações: a bondade, a confiança, a oração (de súplica e de ação de graças). São estas algumas das atitudes que devem acompanhar o cristão que espera a vinda próxima do Senhor: alegria, porque a sua libertação plena está a chegar; tolerância e mansidão para com os irmãos; serena confiança em Deus; diálogo com Deus, agradecendo-Lhe os dons e apresentando-Lhe as suas dores e dificuldades.

Lembremos que é da essência do advento a vigilância e a acolhida do Menino Deus. Por isso para celebrar o Natal o advento é tempo de bondade que se transforma em indulgência com que acolhemos os que nos rodeiam têm de ser, também, distintivos de quem espera o Senhor. A espera do Senhor faz-se, também, num diálogo contínuo com Ele. Não é possível estar disponível para O acolher, quando estamos indiferentes e não partilhamos com Ele, a cada instante, as nossas alegrias e as nossas dificuldades, os nossos sonhos e as nossas esperanças. Não é possível acolher alguém com quem não comunicamos e de quem não nos sentimos próximos.

Prezados irmãos,

O Advento é também tempo propício para nos interrogarmos: o que devemos fazer? Não é necessário fazer coisas extraordinárias nem sair de nossa vida cotidiana, mas escutar a Palavra que nos impele a partilhar, a olhar atentamente para o outro e a nos deixarmos iluminar por Deus. Deixar de lado a indiferença, a intolerância ao diferente, e abrir-nos ao diálogo fraterno, vendo o outro não como ameaça, mas como irmão, mesmo quando pensa diferente de nós. Que nosso Natal não seja apenas uma data comercial, mas uma festa de muitos gestos de generosidade, como sinal da alegria suscitada pelo Senhor que veio morar entre nós.

Nós, cristãos, fomos batizados no Espírito Santo. Portanto, somos portadores dessa vida nova em Jesus Cristo. Que este tempo de preparação para a vinda do Senhor seja para nós uma oportunidade de testemunhar Jesus e responder positivamente à sua proposta de conversão e de discipulado. É também tempo de buscar o que precisamos fazer para que, ao nosso redor, haja mais justiça e menos violência, fome e tantos outros sofrimentos.

Caros irmãos,

O Natal é tempo de conformar a vida ao lugar central que Jesus Cristo nela deve ocupar. Não se trata, portanto, de muito fazer, de muitas atividades, senão de respirar e participar da vida divina no cotidiano, nas atividades que desenvolvemos e que devem ganhar o contorno de Deus! De fato, na segunda anotação dos Exercícios espirituais, Santo Inácio de Loyola apontava para o “sentir” e o “saborear” a vida: “O que sacia e satisfaz a alma não é o muito saber, mas o sentir e saborear as coisas internamente”. No fundo, isso significa sair da superficialidade, alcançar a profundidade, permitir arder o fogo de uma vida nova.

Partilha, justiça e bondade são atitudes que atravessam a liturgia da Palavra e se apresentam, de um lado, como frutos da alegria e, de outro, como estilo de uma vida que caminha na direção da alegria. De fato, a alegria não pode ser confundida com gestos exteriores e mesmo ilusórios. Trata-se de um caminho de abertura do coração para colocar Deus no centro, como recordava Sofonias, ao anunciar que “o rei de Israel é o Senhor”. Significa, de verdade, descobrir quem é o centro, de onde brota a vida e para onde a vida converge.

O Santo Padre o Papa Francisco abriu a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, de 2013, com esta preciosidade que pode ajudar a concluir a reflexão deste domingo: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (n. 1).

Meus irmãos,

 Qual é a diferença fundamental entre João Batista e Jesus? Ela está na diferença entre o Batismo com água e o Batismo com o Espírito Santo. João é um profeta. Jesus é o Filho de Deus. João recebe tudo de Deus. Jesus é tudo, porque é Deus. Santo Agostinho nos ensinou que João é a voz no tempo, Jesus é a Palavra eterna, que existe desde o princípio. Se tiramos a palavra, prossegue Agostinho, que sentido teria a voz? O batismo com água era o símbolo de conversão, o símbolo de purificação. O batismo com o Espírito Santo é a santificação, a divinização, a participação na vida nova de Deus.

 O Batismo com o fogo significa o calor e a luz, simbolizando a majestade e a força divina, limpando o coração humano, separando o ouro da graça das muitas impurezas. Jesus é o Juiz Supremo que dá o céu aos bons e o inferno aos maus. Jesus vem com a força divina para purificar e para salvar. A criatura humana aceita a salvação, se quiser.

 A salvação vem para todos. Bela a palavra de João Batista que disse que ele não era digno de “desamarrar a correia das sandálias” daquele que viria depois dele. Jesus é, claramente, Salvador e Juiz, Juiz benigno e misericordioso, acolhedor e paterno. A esperança/esperança do Advento alimenta a nossa fé.

 Que o Domingo Gaudete, seja o momento de conversão, justiça, amor, paz e alegria, para constituir como sinais concretos de renovação em nossa vida para esperarmos pelo Cristo, colocando-nos do jeito que Jesus quer que nós esperemos por Ele: servindo ao irmão e nos amando-nos na diversidade. Amém!

Padre Wagner Augusto Portugal


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