“Hoje surgiu a luz para o mundo: o Senhor nasceu para nós. Ele será chamado admirável, Deus, Príncipe da paz. Pai do mundo novo, e o seu Reino não terá fim” (Is 9,2.6; Lc 1,33).
Todo Natal, antes das seis horas da manhã, podemos ter a graça de celebrar a terceira missa da Solenidade do Natal, depois da vigília e da missa da noite.
A missa da aurora de Natal é, substancialmente, a continuação da missa da noite. Já no canto de entrada retoma o tema da luz nas trevas de Is 9, que era a Primeira leitura da missa noturna. Também a segunda leitura da missa matutina, tomada de Tito 3, aproxima-se daquela da celebração anterior, e o Evangelho é a continuação da “missa do galo”. Se, para nossos antepassados, as duas celebrações formavam uma continuidade – as pessoas que podiam, assistiam às três liturgias natalinas –, devemos, sem sombra de dúvida, insistir na participação dos fiéis nestas três celebrações, sem se esquecer da quarta missa, a missa do dia.
A claridade do Verbo Encarnado brilha sobre nós, dissipando de nossos caminhos as trevas do mal e do pecado. Acolhamos essa luz divina em nossas vidas e em nossas ações.
Neste amanhecer do dia de Natal de Nosso Senhor Jesus, a liturgia da aurora reza, em vista do simbolismo da luz, o Cristo que se revela como claridade para o mundo, manifestando, na verdade o início de uma nova época e de novos tempos com o nascimento do Menino Jesus.
O centro da missa da aurora são a fé e a transformação interior que recebem a atenção. Não apenas a Oração da Coleta e a Oração Final falam neste sentido, mas o próprio Evangelho, mostrando a presteza dos pastores em atender o convite do anjo, nos leva a uma meditação sobre a fé. Não a fé doutrinária, mas a fé que consiste em ter confiança no Mistério que envolve nossa existência como uma luz inesperada – acreditar numa voz de anjo, adorar um menino numa manjedoura, constatar que deus é diferente, bem mais próximo de nós do que imaginávamos. A própria figura de Maria nos serve aqui de exemplo: ela guarda no coração e medita o que os pastores lhe contaram. Homenagem à fé dos simples, pois ela é guardada no coração da Mãe do Salvador.
Caros irmãos,
Na Primeira leitura – Isaías 62,11-12 – “Eis, aí vem teu Salvador” – O profeta, qual um arauto, dirige-se à “Filha de Sião”, isto é, os habitantes de Jerusalém, para anunciar a Salvação de Deus; ele readotou seu povo, chamando-o de volta do Exílio (Is 62,10-12). Não porque o povo o “mereceu”, mas porque Deus assim quis fazer (62,11). Ao dizer dos exilados que foram repatriados, põe em evidência o anúncio da salvação de Deus. Os nomes que a Cidade agora recebe ultrapassam sua libertação política: só ganham seu pleno sentido no novo povo dos redimidos, na nova e eterna Aliança.
Com a festa do Natal, a humanidade encontra, definitivamente, sua “terra prometida”, o próprio Jesus, com a contemplação da salvação e libertação divinas.
Irmãos caríssimos,
O Salmo Responsorial reza esse mistério da chegada da luz divina ao proclamar: “brilha hoje uma luz sobre nós, pois nasceu para nós o Senhor” (Sl 96).
Prezados irmãos,
Na Segunda leitura – Tito 3,4-7 – “apareceu o carinho e o amor de Deus para com os homens”. Em Jesus manifestou-se a bondade de Deus, que faz ver que diante de Deus ninguém é bom por si mesmo. A autojustificação é autoilusão. Por isso, Deus nos liberta em Jesus Cristo. A segunda leitura apresenta-nos o tema do “amor humano” de Deus, que se manifestou para nós. É uma variante da graça, da misericórdia, da qual falava a segunda leitura da liturgia noturna. A ideia é fundamentalmente a mesma: Deus é movido pelo amor por nós, não pelos nossos méritos e obras. Ele sente por nós benignidade e ternura, como uma mãe por seus filhos. Ele nos justifica, de graça. Sua única exigência é que aceitemos sua “benignidade e amor humano”; e este aceitar é a fé fiducial, a confiança que nos leva a dar pleno crédito a Deus. Neste espírito, a presente liturgia nos convida a aceitar radicalmente a incompreensível novidade que o amor de Deus realiza em Jesus Cristo, tal como o Esposo que transforma Jerusalém – no fim do Exílio – de desamparada em desejada.
Irmãos caríssimos,
No Evangelho – Lucas 2,15-20 – apresenta-se a adoração dos pastores – os tropeiros são pouco contados na sociedade. Não são “graúdos”, nem “cultos”, nem “piedosos”. São insignificantes. Mas recebem por primeiro a Boa-Nova. Acreditam na palavra e reconhecem na pobre criança o Salvador. Maria guarda suas palavras no coração, até o momento de as entender plenamente.
Os pastores, os humildes da terra, temos as primeiras testemunhas da chegada do Messias. Não são os chefes ou os doutos que conseguem reconhecer o Salvador, mas pessoas simples, que, em sua condição, enxergam a grandiosidade de Deus na pequenez da gruta de Belém.
Hoje resplandece uma luz para nós: nasceu o Senhor! Do mesmo modo que o sol sai cada manhã para iluminar e dar vida ao mundo, esta missa da aurora, celebrada ainda com pouca luz, invoca a figura do Menino nascido em Belém como o sol nascente, que vem para iluminar a família humana. Depois de Maria e José, foram estes pastores do Evangelho os primeiros que foram iluminados pela presença de Jesus Menino. Os pastores, que eram considerados como os últimos na sociedade. Temos de ser pastores para acolher o Menino e ser conscientes do nosso nada. Que Jesus seja luz, não nos pode deixar indiferentes. Contemplemos os pastores: era tão grande o gozo que sentiam pelo que haviam visto que não deixavam de falar disso: “Todos os que ouviram os pastores ficavam admirados com aquilo que contavam” (Lc 2,19) “Teu Salvador já está aqui”, também nos diz o profeta e isso nos enche de alegria e de paz. Queridos irmãos, isto nos falta a muitos cristãos no dia de hoje: falar Dele com alegria, paz e convencimento; cada um desde a sua vocação, quer dizer, desde o desígnio eterno que Deus tem “para mim”. E isto será possível se antes estamos convencidos da nossa identidade: os laicos, religiosos e sacerdotes. Todos formamos “o povo santo” do qual nos fala o profeta Isaías.
Foi desígnio de Deus que fossem pastores a adorar ao Menino Jesus. Todos somos pastores. Todos têm de ser pobres e humildes, os últimos... Contemplando o
presépio de nossa casa, com os pastores de plástico ou de barro, vemos uma imagem da Igreja, que o profeta na primeira leitura descreve como uma “cidade-não-abandonada” e como “a querida” (Is 62,12). Neste Natal façamos o propósito de amar mais a nossa Igreja... que não é nossa, senão D’Ele e nós a recebemos e entramos a participar nela como indignos servos, e a recebemos como um dom, como um presente imerecido. De aí que a nossa aclamação da alegria neste Natal tem de ser uma profunda e sincera ação de graças.
Prezados irmãos,
Depois de receberem o anúncio dos anjos, os primeiros apóstolos da Boa-Nova, os pastores assumem o papel de primeiros apóstolos humanos. Correram a Belém, encontraram Maria, José e o Menino, como o anjo lhes havia dito: “Anunciaram” – no original grego, o verbo utilizado é equivalente a “anunciar” e não apenas “contar” – o que ouviram sobre Jesus, perfazendo, assim, o primeiro anúncio missionário do Evangelho Redentor. Em nossos dias, somos chamados a anunciar a Boa-Nova de Jesus Salvador para todos, para que, maravilhados, se convertam ao Senhor, recebendo o dom divino da alegria da salvação no “hoje” de sua existência. Por fim, os pastores voltaram para seu cotidiano, glorificando e louvando a Deus. Voltaram transformados, certamente, e continuaram sua missão de anunciar a esperança de que todos os seres humanos serão salvos e de que o mundo encontrará a paz. Paz e alegria que nos vem da bondade salvadora de Deus. Por isso, rezemos e procuremos, a partir do Natal de Jesus, tomar consciência daquilo que nos ensina a Segunda Leitura: “manifestou-se a bondade de Deus, nosso salvador, e o seu amor pelos homens: 5ele salvou-nos não por causa dos atos de justiça que tivéssemos praticado, mas por sua misericórdia, quando renascemos e fomos renovados no batismo pelo Espírito Santo, que ele derramou abundantemente sobre nós por meio de nosso Salvador, Jesus Cristo” (Tt 3,4-6)
Caros irmãos,
Convido-te a dar o primeiro passo no novo ano de mãos dadas com Santa Maria, a Mãe de Deus e nossa Mãe Ela nos dá segurança, porque traz em seus braços o Príncipe da Paz. Sem o acolhimento de nosso Salvador; o mundo celebra inutilmente o dia Mundial da Paz e da Fraternidade Universal. Os homens têm provado, ao longo dos séculos, que são impotentes para construir a verdadeira Paz por si própria. Continuam poderosos apenas para multiplicar a violência e provocar mortes. Por isso, hoje é um dia de súplica universal pela Paz e pela Fraternidade, que somente Jesus pode fazer-nos construir. Aliás é o que significa o Seu Nome. Jesus Cristo, O Ungido do Senhor, o Deus conosco, O Emanuel. Suplicamos confiantes, porque ora conosco e por nós a Mãe de Deus, Aquela que deu ao mundo a nossa Paz! Jesus Cristo o Príncipe da Paz! Maria Rainha da Paz, dai-nos a Paz!
A fé nos transforma! E estar transformação se mostra em nossas ações. Deverá ser um agir que, ao mesmo tempo, reconhece a obra de Deus – pastores – e, portanto, se conforma com ele; acreditando na humildade e na pobreza; e – também, deixa brilhar em nós a luz que para nós brilhou, portanto, um agir que atinja os corações. Em contraste com a superficialidade da onda comercial em vista do Natal, procuremos uma atuação que, por sua humilde condescendência, atue nas profundidades, atinja as bases, tanto do indivíduo como da sociedade, transformando trevas em luz, solidão em alegria messiânica.
Vamos, nesta aurora de Natal, ir com os pobres ao presépio: aí está a síntese entre contemplação e ação social. A fria superioridade ideológica não tem vez diante deste mistério da glória de Deus no meio dos pobres. Quem pensa em termos de eficiência política apenas, pode passar pelo pobre sem saudá-lo – fora da campanha eleitoral. Mas Deus preferiu deixar saudar seu Filho – que nasceu para nos salvar – primeiro pelos pobres, os pastores!
Padre Wagner Augusto Portugal.
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