“Proclamai às nações a sua glória, a todos os povos, suas maravilhas! Porque o Senhor é grande e digno de todo louvor!”. (Cf. Sl 95, 3s).
Meus queridos irmãos,
Estamos
adentrando para mais da metade do mês de outubro, mês dedicado para a
primavera, tempo em que a Divina Providência enche nossos olhos de encantamento
e de beleza das grandiosidades do mistério da salvação. É Deus que caminha
conosco em nossa caminhada rumo à Jerusalém Celeste.
Hoje a liturgia gira em torno
do serviço, do serviço que Jesus veio inaugurar com a sua vida e o
seu ministério. Isso porque Jesus veio para servir e para dar a sua vida em
resgate de nossa salvação. Hoje vamos refletir sobre a salvação de Jesus que
ilumina e pavimenta a nossa salvação.
A primeira leitura (cf. Is. 53,
10-11) vai abrindo nossos corações para a reflexão deste domingo. A
primeira leitura de Isaías nos leva a refletir sobre a missão de Deus de
assumir os pecados da humanidade escravizada pelo pecado original.
Jesus assumirá nossos pecados, carregará nossos pecados inaugurando um tempo
novo, o tempo da salvação. No quarto canto do Servo de Javé, Deus não segue a
lógica dos homens. O justo esmagado é que assume e resgata as faltas dos
"muitos". Por isso, Deus o exalta, na figura de Nosso Senhor Jesus
Cristo, no Evangelho.
A primeira leitura demostra, uma vez mais,
como os valores de Deus e os valores dos homens são diferentes. Na lógica dos
homens, os vencedores são aqueles que tomam o mundo de assalto com o seu poder,
com o seu dinheiro, com a sua ânsia de triunfo e de domínio, com a sua
capacidade de impor as suas ideias ou a sua visão do mundo; são aqueles
impressionam pela forma como vestem, pela sua beleza, pela sua inteligência,
pelas suas brilhantes qualidades humanas. Na lógica de Deus, os vencedores são
aqueles que, embora vivendo no esquecimento, na humildade, na simplicidade,
sabem fazer da própria vida um dom de amor aos irmãos; são aqueles que, com as
suas atitudes de serviço e de entrega, trazem ao mundo uma mais valia de vida,
de libertação e de esperança. Qual destes dois modelos faz mais sentido para
mim? Quando, no dia a dia, tenho de estabelecer as minhas prioridades e de
fazer as minhas escolhas, deixo-me conduzir pela lógica de Deus ou pela lógica
dos homens? Quem são as pessoas que eu admiro, que eu tenho como modelos, que
me impressionam?
Tenho sido muito questionado, ultimamente,
sobre o sofrimento humano. Qual o sentido do sofrimento? Porque é que há tantas
pessoas boas, honestas, justas, generosas, que atravessam a vida mergulhadas na
dor e no sofrimento? Trata-se de uma pergunta que fazemos frequentemente e que
o autor do quarto cântico do “Servo” também punha a si próprio. A resposta que
ele encontra é a seguinte: o sofrimento do justo não se perde; através dele, os
pecados da comunidade são expiados e Deus dará vida e salvação ao seu Povo.
Trata-se, sem dúvida, de uma resposta incompleta, parcial, não totalmente
satisfatória; mas encontra-se já nesta resposta a convicção de que, nos
misteriosos caminhos de Deus, o sofrimento pode ser uma dinâmica geradora de
vida nova. Jesus Cristo demonstrará, com a sua paixão, morte e ressurreição, a
verdade desta afirmação.
Irmãos e Irmãs,
O
cenário do Evangelho de hoje (cf. Mc. 10,35-45) é a estrada para Jerusalém.
Jesus e os Apóstolos se aproximam da cidade Santa. Dois discípulos queriam
sentar-se, um à direita e outro à esquerda, de Jesus. Puro engano! Ainda não
haviam compreendido o projeto de salvação de Jesus, que era morrer na Cruz pela
salvação da humanidade. O Evangelho de hoje anuncia a missão de Jesus. O
Evangelho de hoje nos ensina a identidade de Jesus que é humana e é divina. Um
só homem em duas naturezas. Jesus é aquele que dá a sua vida para resgatar as
criaturas. Jesus é o Servidor Justo, que justificará, que salvará muitos,
assumindo sobre si a iniqüidade humana. Essa será também a missão daqueles que
seguem a Jesus, de seus apóstolos e de seus discípulos.
Em vista disso três pontos hoje
devem nos tornar mais próximos de Deus e refletir sobre nossa vida, para
conformar se estamos seguindo o que Deus quer de cada um de nós, ou se queremos
nós mesmos nos transformar em Deus.
A primeira reflexão nos fala
do Serviço. O que é o serviço para Deus? Servir a Deus é ser humilde, é
colocar-se como servo dos servos, como servidor da fé, como animador e
catequizador da comunidade de fiéis, nunca procurando os privilégios, mas
procurando dispensar a misericórdia e a bondade de Deus, do Deus Servo dos Servos,
daquele que se abaixa para lavar os pés de seus discípulos e envia-los para a
missão do serviço. E o serviço por excelência na evangelização é feito pela
Santa Igreja que se coloca como a primeira servidora da comunidade fiel.
Serviço fiel, serviço gratuito, serviço generoso!
A segunda reflexão nos fala de
trabalhar, de usar o poder eclesiástico, a “potestas” como um sublime
ministério de serviço na caridade. A discussão para ver se sentará à
direita ou à esquerda de Jesus deve ser encarada como “topar”
todos os serviços na comunidade, desde o mais humilde ao mais responsável,
sempre com caridade, desprendimento, humildade e, acima de tudo, amor. Tiago e
João cometeram o pecado de querer ser iguais ao Deus Salvador. Isso é um grave
pecado, querer usurpar o lugar do Redentor, porque Tiago e João não poderiam
morrer na cruz pela nossa salvação: essa era uma missão privativa do Filho de
Deus, que depois subirá ao Céu e se sentará à direita do Pai. Jesus se humilha,
fazendo-se servidor e morrendo pelos nossos pecados, para ser glorificado, ou
seja, irromper a morte e anunciar a vida eterna. Jesus nos ensina hoje a amar e
esperar com fé e esperança a morte. A Morte de Jesus é para nós muito
cara, principalmente quando relembramos que todos nós bebemos do mesmo cálice
da salvação e recebemos o mesmo batismo, ou seja, a porta de entrada para
sermos associados ao Senhor Ressuscitado, pela salvação. Todos nós
temos muito de João e Tiago: queremos o Reino de Deus, mas não trabalhamos para
isso, não fazemos jus a este prêmio eterno. Hoje os homens procuram o poder, a
glória, o ter, a honra. O que nós devemos ter é uma atitude de desprendimento,
de renúncia, de serviço, é humilhar-se como Cristo, para subir ao céu depois de
nossa peregrinação neste mundo!
A terceira reflexão nos fala
da RENÚNCIA. Fazer de nossas vidas cálices de salvação é renunciar a
tudo o que nos oprime, a tudo que nos faz pecar e faz o irmão também pecar.
Renúncia que é compartilhar a dor que Jesus sentiu na cruz pela salvação da
humanidade pecadora. Cálice que hoje na liturgia é relembrado como participação
e comunhão no mistério da salvação, é participar do mistério, do destino e da
cruz de Cristo.
Caros irmãos,
Na lógica da “mundanidade” os primeiros são os que têm
dinheiro, os que têm poder, os que frequentam as festas badaladas nas revistas
da sociedade, os que vestem segundo as exigências da moda, os que têm sucesso
profissional, os que sabem colar-se aos valores politicamente corretos… E na
comunidade cristã? Quem são os primeiros? As palavras de Jesus não deixam
qualquer dúvida: “quem quiser ser o primeiro, será o último de todos e o servo
de todos”. Na comunidade cristã, a única grandeza é a grandeza de quem, com
humildade e simplicidade, faz da própria vida um serviço aos irmãos. Na
comunidade cristã não há donos, nem grupos privilegiados, nem pessoas mais
importantes do que as outras, nem distinções baseadas no dinheiro, na beleza,
na cultura, na posição social. Na comunidade cristã há irmãos iguais, a quem a
comunidade confia serviços diversos em vista do bem de todos. Aquilo que nos
deve mover é a vontade de servir, de partilhar com os irmãos os dons que Deus
nos concedeu. A atitude de serviço que Jesus pede aos seus discípulos deve
manifestar-se, de forma especial, no acolhimento dos pobres, dos débeis, dos
humildes, dos marginalizados, dos encarcerados, dos doentes, dos que vivem no
escondimento, dos sem direitos, daqueles que não nos trazem o reconhecimento
público, daqueles que não podem retribuir-nos. Cabe uma pergunta cortante: seremos
capazes de acolher e de amar os que levam uma vida pouco exemplar, os
marginalizados, os estrangeiros, os doentes incuráveis, os idosos, os difíceis,
os que ninguém quer e ninguém ama?
Que cada um tome o seu lugar, mas não
reclame o primeiro lugar. Jesus não vem dar conselhos, começa por oferecer o
seu testemunho. Ele, que era de condição divina, tomou o lugar de escravo. Deus
elevou-O e deu-Lhe um Nome que ultrapassa todo o nome. Jesus não prega o
abaixamento pelo abaixamento. Quem escolhe o serviço é elevado por Deus ao
lugar de “grande”, Deus dá o primeiro lugar a quem escolheu o último. É Deus
que altera as situações que o homem, na sua liberdade, escolhe para ser
verdadeiro cidadão do Reino de Deus.
Caros irmãos,
A ambição gera
rivalidades, causando a divisão da comunidade (Mt 10,41). Na medida em que os
projetos individuais são evidenciados, a unidade é quebrada. Por isso, Jesus
convoca uma reunião para mostrar seu projeto com maior clareza ainda,
procurando deixar claro o quanto este é diferente de qualquer projeto humano de
poder (Mt 10,42).
Tendo
negligenciado os três anúncios da paixão, os discípulos tinham como parâmetro
os modelos vigentes de poder, marcados pelo domínio e pela tirania, o que é
incompatível com o seguimento de Jesus. Por isso, ele apresenta o modelo a ser
seguido pela comunidade dos seus seguidores: o serviço. É necessário passar de
um modelo baseado na imposição para novo paradigma, baseado no serviço, tendo
em vista a igualdade e o bem de todos (Mt 10, 43-44).
Portanto, o
referencial para a comunidade cristã não pode ser outro senão o próprio Jesus,
o Filho do Homem, que veio para servir e dar a vida em resgate de muitos (Mt
10, 45). Ele próprio é o exemplo de que a autoridade autêntica deve ser
exercida por meio do serviço incondicional, contemplando a capacidade de dar a
própria vida. Qualquer tentativa ou experiência na comunidade que tenham como
parâmetro “os reinos deste mundo” fazem essa comunidade deixar de ser cristã.
Neste Domingo vamos enfatizar o serviço como o
mais eficaz sinal de identificação com o projeto de Jesus. Como você, na
sua comunidade, exerce a liderança? Deve-se ficar claro que a ambição, o
espírito de competição, as rivalidades e o autoritarismo desviam a comunidade
do Evangelho de Jesus.
Meus irmãos e Minhas irmãs,
A segunda leitura (Hb. 4,14-16) nos
fala do sacerdote, como o santificador da comunidade. Tenhamos presente que o
apóstolo quer nos dizer que a participação de Jesus nos mais profundos abismos
da condição humana – exceto no pecado – o qualifica para ser o melhor sacerdote
imaginável. Um sacerdote que não está do outro lado da barra, mas que participa
e celebra conosco, como o próprio Cristo.
Jesus, nosso Sumo Sacerdote. Temos
um pontífice que por nós entrou no Santuário, mas, também, é capaz de
compadecer-se de nossas fraquezas, conhecendo a carência humana. Jesus leva
nossa condição humana à santidade de Deus. Jesus nos exorta na fidelidade na
confissão da fé e na confiança na misericórdia divina.
Os discípulos de Nosso Senhor Jesus Cristo
são, naturalmente, convidados, a assumir o seu exemplo. Assim como Cristo, por
amor, vestiu a nossa fragilidade e veio ao nosso encontro, também nós devemos –
despindo-nos do nosso egoísmo, da nossa acomodação, da nossa preguiça, da nossa
indiferença – ir ao encontro dos nossos irmãos, vestir as suas dores e
fragilidades, fazer-nos solidários com eles, partilhar os seus dramas,
lágrimas, sofrimentos, alegrias e esperanças. Não podemos, do alto da nossa
situação cômoda, limpa, arrumada, decidir que não temos nada a ver com o
sofrimento do mundo ou com a carência que aflige a vida de um nosso irmão.
Somos sempre responsáveis pelos irmãos que conosco partilham os caminhos deste
mundo, mesmo quando não os conhecemos pessoalmente ou mesmo que deles estejamos
separados por fronteiras geográficas, históricas, étnicas ou outras.
Deus nos ama, por isso nada devemos temer.
Fazemos parte da família divina, e esta família tem vida em abundância. Por isso vamos encarar a vida, o cotidiano,
os desafios do dia a dia com serenidade e confiança. Os batizados são pessoas
serenas e com o coração em paz, nunca afastadas de Deus e do seu amor.
Quem segue a Cristo no seu caminho,
deve contar com a incompreensão, o sofrimento, as perseguições e o próprio
aniquilamento. Sua vida será uma permanente oblação a Deus, passando pelo
serviço ao próximo. Neste serviço, expressão do amor, realiza-se a libertação
plena.
Prezados
irmãos,
Que a comunidade cristã possa
reconhecer em Jesus o Servo de Deus por excelência, redescobrindo N’Ele o
verdadeiro sentido de seguimento. Não seguimos pessoas e pastores, mas a
Cristo, Filho de Deus. A liturgia oferece uma compreensão do discipulado em
nossas comunidades: os maiores entre todos são aqueles que servem com humildade
e mansidão. Tenhamos presente a ideia de que o sacerdócio de Jesus completou
toda a salvação e nosso sacerdócio pelo batismo nos associa a ele, que por nós
morreu e ressuscitou.
Demos graças ao Senhor Onipotente
por tantos discípulos de Cristo que, a exemplo dele, continuam a dar a vida por
seus amigos e por seus irmãos de fé. E neste dia das Santas Missões, da Santa
Infância e da Evangelização entre os gentios peçamos a graça de compreender que
o discipulado de Cristo passa pelo caminho da cruz que leva à ressurreição, à
vida, à glória eterna. Amém!
Padre Wagner Augusto Portugal.
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