“Ouvi, Senhor, a voz do meu apelo: tende compaixão de mim e atendei-me; vós sois meu protetor: não me deixeis; não me abandoneis, ó Deus, meu salvador!” (Sl 26,7-9)
Refletimos, hoje, duas parábolas em torno do Reino dos Céus, do Reino em que todos nós somos convidados a caminhar, vivendo neste mundo uma vida santa. Nosso modo cristão de proceder vai iluminar o nosso caminhar para o Reino de Deus. As duas parábolas (Mc 4,26-34), retiradas da realidade rural, falam em torno do crescimento da sementeira (primeira parábola) e do grão de mostarda (segunda parábola); ambas nascem e partem de três momentos que os ouvintes conheciam muito bem: a sementeira, o crescimento, a colheita.
A semente da primeira parábola é a própria doutrina salvadora de Jesus. O Semeador Divino a plantou; ela há de frutificar. Esta é uma lição que o Mestre procurou ensinar sempre de novo. Suas palavras são vivas, tem fecundidade, podem e devem frutificar; seus ensinamentos são revestidos de autoridade divina. Seu plano salvador não falhará jamais, ainda que demore, ainda que as aparências sugiram aparente fracasso, como foi o caso da cruz.
Mas a primeira parábola ilumina nos cristãos uma virtude sempre atual: a confiança. A confiança inabalável em Deus, o Pai que mandou seu Filho ao mundo para nos salvar e que, pela ação dos dons do Espírito Santo, anima a vida de todos os batizados.
A primeira parábola nos leva a refletir sobre a figura do camponês que semeia. No entanto, não cabe a ele fazer brotar, crescer e amadurecer a semente; esta parte pertence a Deus. Também o Reino dos Céus, ainda que seja a criatura humana a semeá-lo, pertence a Deus a realização do Reino, a graça da salvação, a graça da manifestação de seu Reino.
Quando o fruto está maduro, não se volta a falar do camponês, porque daria a idéia de que ele o colheria para si, para seu celeiro. Fala-se apenas da foice colhedora ou das máquinas que recolhem aos celeiros os frutos. Ninguém planta o Reino em proveito pessoal ou próprio. O apóstolo – ou seja, o camponês – é um operário de Deus a serviço de todos. Assim, somos todos nós, os batizados: devemos ser como os camponeses que plantam as sementes ao anunciar o Reino de Deus e o Evangelho de Salvação.
O fruto desta plantação, desta Evangelização, é a comunidade, a comunidade eclesial, a Igreja de Cristo, que colherá os frutos para a glória eterna da Trindade Santíssima. Para o camponês e para o evangelizador – o novo camponês da vinha do Cristo – o tempo de brotar, de crescer e amadurecer não tem importância para quem planta. Embora invisível, misteriosa, a semente da Palavra de Deus, semeada pelo apóstolo, pelo discípulo, pelo missionário, pelo batizado, tem vida própria, independente de quem a semeou, uma vida que não depende de quem a semeia, mas de Deus, que lhe deu a fecundidade e lhe dá o crescimento.
É, pois, em Deus que devemos colocar a nossa inabalável confiança. Nós plantamos, Deus coloca o adubo e ele vai germinar em frutos a semente plantada.
Meus queridos irmãos,
O pregador da Palavra de Deus precisa ter consciência de suas limitações. Primeiro, a humildade de não atribuir a si as qualidades da fecundidade e do crescimento do Reino de Deus. Em seguida, o pregador da Palavra de Deus deve depositar a sua confiança em Deus e jamais nos homens e mulheres. Por isso, o povo simples nos ensina a sabedoria divina: “Deus tarda, mas não falha!” Além de tudo isso, devemos ter grande paciência. Não uma paciência dos homens imediatistas, tecnocratas e efêmeros. O Reino de Deus exige paciência, desapego, leitura das leis à luz da caridade e da misericórdia, unindo misericórdia e acolhida dos pecadores, não os afastando da vinha, mas trazendo-os para dentro da Igreja, onde todos, santos e pecadores, são chamados sempre a ter uma nova chance, dentro da misericórdia que sempre foi pregada pelo Ressuscitado.
A semente fica escondida na terra. É seu modo natural para germinar e brotar. É seu modo natural de pôr raízes e de se firmar. Assim devem ser as coisas de Deus: escondidas, discretas, sem barulho – depositar a confiança na vontade de Deus.
Meus queridos irmãos,
A segunda Parábola é a do grão de mostarda, que tem três significados:
1 – O pequeno grupo com que Jesus iniciava a Nova Aliança e era composto de gente simples, de pescadores, plantadores de trigo. Se de um grão de mostarda pode nascer uma planta (é bom lembrarmos que a planta da mostarda pode chegar a três e quatro metros de altura), porque não nasceria e vingaria, a partir dele e dos Apóstolos, um novo povo?
2 – Universalidade: muitos passarinhos vão se abrigar nos ramos da planta. Na Igreja, a nova família que nasce, povos de todas as origens, virão abrigar-se nela. Não só os judeus, mas povos de todas as raças, línguas, condições sociais. A nova família de Deus era para todos os que quisessem ouvir a Palavra de Deus e colocá-la em prática, fazendo assim, em primeiro lugar, a Vontade do PAI que é a seguinte: AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS E AO PRÓXIMO COMO A SI MESMO!
3 – Jesus é, ao mesmo tempo, semente e árvore. É semente quando os ouvintes se perguntavam: “Não é ele o filho do carpinteiro José?” (Mt 13,55). Mas a árvore alta, a cujos ramos não chegam as mãos humanas, quando os judeus admirados se perguntavam: “De onde lhe vem esta sabedoria?” (Mt 14,54). A comunidade cristã, por conseguinte, deve ser pequena na humildade e grande na sabedoria, ou seja, na vivência das coisas divinas. O Reino de Deus, de aparência humilde, de lento crescimento, nada espalhafatoso, será a casa de todos os homens e mulheres que creem no Senhor Jesus e nela encontrarão a desejada segurança.
Caros irmãos,
Deus conduz sempre a história humana de acordo com o seu projeto de salvação e mantém-se fiel às promessas feitas ao seu Povo, conforme nos ensinou a Primeira Leitura (Ez 17,22-24). Esta “lição” não pode ser esquecida e essa certeza deve levar-nos a encarar os dramas e desafios do tempo atual com confiança e esperança. Não estamos
abandonados à nossa sorte; Deus não desistiu desta humanidade que Ele ama e continua a querer salvar. É verdade que a hora atual que a humanidade atravessa está marcada por sombras e graves inquietações; mas também é verdade que Deus continua a acompanhar cada passo que damos e a apontar-nos caminhos de vida. A última palavra – uma palavra que não pode deixar de ser de salvação e de graça – será sempre de Deus. Ancorados nessa certeza, temos de vencer o medo e o pessimismo que, por vezes, nos paralisam e dar aos homens nossos irmãos um testemunho de esperança, de serena confiança.
A referência – mil vezes repetida ao longo da Bíblia – à tal “estranha lógica” de Deus, que se serve do que é débil e frágil para concretizar os seus projetos de salvação, convida-nos a mudar os nossos critérios de avaliação e a nossa atitude face ao mundo e face aos que nos rodeiam. Por um lado, ensina-nos a valorizar aquilo e aquelas pessoas que o mundo, por vezes, marginaliza ou despreza; ensina-nos, por outro lado, que as grandes realizações de Deus não estão dependentes das grandes capacidades dos homens, mas antes da vontade amorosa de Deus; ensina-nos ainda que o fundamental, para sermos agentes de Deus, não é possuir brilhantes qualidades humanas, mas uma atitude de disponibilidade humilde que nos leve a acolher os apelos e desafios de Deus.
Irmãos e irmãs,
A segunda leitura (2Cor 5,6-10) dificilmente se integra ao tema principal, mas sua mensagem toca o coração de todos nós. Enquanto estamos neste corpo, diz Paulo, estamos exilados do Senhor. Podemos suspeitar que Paulo, escrevendo aos gregos, tenha se lembrado da alegoria da caverna, de Platão: preferiria estar exilado do corpo, perto do Senhor. O Reino de Deus – que atingirá a sua plena maturação quando tivermos ultrapassado o transitório e o efémero da vida presente – começa a ser construído nesta terra e exige o nosso compromisso pleno com a construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais verdadeiro. Não há comunhão com Cristo se nos demitimos das nossas responsabilidades em testemunhar os gestos e os valores de Cristo.
A cultura atual é uma cultura do provisório, que dá prioridade ao que é efémero sobre as realidades perenes com a marca da eternidade: propõe que se viva ao sabor do imediato e do momento, e subalterniza as opções definitivas e os valores duradouros. É também uma cultura do bem-estar material: ao seduzir os homens com o brilho dos bens perecíveis, ao potenciar o reinado do “ter” sobre o “ser”, escraviza o homem e relativiza a sua busca de eternidade. É ainda uma cultura da facilidade, que ensina a evitar tudo o que exige esforço, sofrimento e luta: produz pessoas incapazes de lutar por objetivos exigentes e por realizar projetos que exijam esforço, fidelidade, compromisso, sacrifício. Neste contexto, a palavra de Paulo aos cristãos de Corinto soa a desafio profético: é necessário que tenhamos sempre diante dos olhos a nossa condição de “peregrinos” nesta terra e que aprendamos a dar valor àquilo que tem a marca da eternidade. É nos valores duradouros – e não nos valores efémeros e passageiros – que encontramos a vida plena. O fim último da nossa existência não está nesta terra; o nosso horizonte e as nossas apostas devem apontar sempre para o mais além, para a vida plena e definitiva.
Contudo, o fato de vivermos a olhar para o mais além não pode levar-nos a ignorar as realidades terrenas e os compromissos com a construção da cidade dos homens. O Reino de Deus – que atingirá a sua plena maturação quando tivermos ultrapassado o transitório e o efémero da vida presente – começa a ser construído nesta
terra e exige o nosso compromisso pleno com a construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais verdadeiro. Não há comunhão com Cristo se nos demitimos das nossas responsabilidades em testemunhar os gestos e os valores de Cristo.
Prezados irmãos,
As parábolas são pequenas histórias que recolhem ditos de sabedoria popular. São um fenômeno do mundo hebraico que consiste em escolher falar de modo indireto, em vez de empregar um discurso direto. Jesus muitas vezes utilizou parábolas para transmitir ensinamentos. Esse modo de ensinar, típico dos mestres de seu tempo, tinha como base histórias curtas e era muito usado por ele sempre que queria falar algo que estava próximo ao seu coração. Ademais, seu ensinamento não consistia apenas em transmitir conceitos acerca da verdade, mas tinha por objetivo, sobretudo, conduzir seus seguidores à prática da caridade, do bem, da justiça e do cuidado com o próximo. Em sua missão terrena, Jesus plantou as sementes do Reino por meio de palavras e gestos. No entanto, o Reino de Deus ainda não está completamente estabelecido. Embora já presente em Jesus e em seu grupo de doze discípulos, ele ainda precisa frutificar. Assim como a semente na parábola precisa de tempo para crescer, também a missão de construir o Reino de Deus envolve o semear, o crescer e o frutificar. Isso exige tempo, dedicação, cuidado e paciência.
Nossa fé, assim como as sementes plantadas na terra, assim como o grão de mostarda, cresce à medida que pomos em prática os ensinamentos de Jesus e nos leva a realizar coisas grandiosas e surpreendentes, à semelhança das imagens presentes nas parábolas do Evangelho deste domingo. À medida que cresce, ela nos conduz a Cristo e, consequentemente, ao seu Reino. Nossa fé também atrai outros para Cristo e para sua Igreja – sinal visível do Reino de Deus na terra. Como Cristo diz: “As aves do céu vêm se abrigar sob seus ramos”. Como nossa fé atrai outros para Cristo?
Quando demonstramos ou testemunhamos bem nossa fé individual e coletiva, o resultado é excelente. Vidas podem ser tocadas e transformadas. Ao continuarmos a missão de Jesus, semeando o Reino de Deus, nossa preocupação não deve ser sobre como a Palavra se desenvolve no coração das pessoas, pois o agir é de Deus; nossa missão consiste em semear sempre e em todos os lugares. A eficácia do crescimento pertence a Deus. A referência à pequenez, na segunda parábola, convida-nos a rever os critérios de nossa atuação no mundo, a qual não deve ocorrer na perspectiva da grandiosidade, mas da qualidade de nosso testemunho e dedicação.
Caros irmãos,
As leituras deste domingo garantem-nos que Deus tem um projeto para a humanidade, e Jesus apresenta com clareza em que consiste esse projeto de amor. Nas suas palavras, nos seus gestos, Jesus propôs um caminho novo, nova realidade: lançou sementes de transformação dos corações, das mentes e das vontades, de forma que a vida das pessoas e da sociedade fosse construída segundo o desejo de Deus. As sementes que Jesus lançou não foram em vão; estão entre nós e crescem pela ação de Deus. A nós cabe acolher e deixar que Deus realize sua ação em nós. Como discípulos missionários de Jesus, temos também a missão de semear as sementes do Reino no coração das pessoas ao nosso redor.
A referência à pequenez da semente, na segunda parte do Evangelho, convida-nos a rever nossos critérios de atuação no serviço à Igreja e nossa forma de olhar o mundo e os irmãos. Às vezes não damos importância ao simples, ao pequeno e às coisas
que nos parecem insignificantes, nas quais Deus se revela. Ele está nos humildes, nos pobres, nos pequenos, nas crianças, nos que renunciam a esquemas de triunfalismo e ostentação; e é deles que se serve para transformar o mundo. A parábola da semente lançada na terra nos traz grandes ensinamentos, sobretudo o de não nos deixarmos levar por tentações de ostentação, orgulho, prepotência e não reconhecimento da ação divina nos pequenos acontecimentos.
A liturgia de hoje oferece o apoio veterotestamentário desta ideia no canto da comunhão: “O maior desejo: morar na casa do Senhor”. Este é o nosso desejo. Esta é a nossa esperança. Para lá caminhamos pressurosos. Vivamos um novo céu e uma nova terra.
Comentários
Postar um comentário