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10º Domingo do Tempo Comum, B


“O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem poderia eu temer? O Senhor é o baluarte de minha vida, perante quem tremerei? Meus opressores e inimigos, são eles que vacilam e sucumbem” (Sl 26,1-2).

Meus caros irmãos,

A liturgia deste décimo domingo do tempo comum, do ano litúrgico B, nos faz uma pergunta provocante: Como ser a família de Deus? Como fazer parte da família de Deus diante do projeto que Deus tem para cada um de nós. Somos confrontados, diariamente, com a dialética do bem versus o mal. Deus manifesta-nos o seu amor em seu Filho, Nosso Senhor Jesus cristo, que dialoga com os homens e as mulheres. A primeira leitura – Gn 3,9-15, ouvimos a pergunta do Pai do céu para Adão: “Onde estás?”. Adão, temeroso, porque comeu da árvore do pecado, responde: “Ouvi tua voz no jardim e fiquei com medo, porque estava nu; e me escondi”. O próprio Adão reconhece que estava nu, porque comeu do fruto que foi proibido por Deus Pai. Mais Adão diz: “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore e eu comi”. A mulher, por sua vez, coloca a culpa na serpente, quando sobre ela cai a maldição eterna: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e comerás pó todos os dias da tua vida! Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”.

O homem, perturbado, porque “comeu da árvore proibida”, escolhendo o caminho do orgulho, da vaidade e da autossuficiência em relação a Deus. Adão estava envergonhado e temeroso. Acusa a mulher e a Deus, por tê-la dado como mulher. Adão é a humanidade, que mergulhada no egoísmo e na autossuficiência, virou as costas para Deus, esqueceu-se dos dons de Deus e vê em Deus um adversário. A humanidade quebrou a sua unidade na atitude de Adão, covarde, sem solidariedade, odioso, quando Adão escolheu os caminhos contrários aos de Deus. Adão pensou em viver totalmente à margem dos caminhos propostos por Deus, fora da Aliança e dos Mandamentos.

O mal, tão disseminado nos dias de hoje, resulta das nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo e autossuficiência. Quando o homem escolhe viver orgulhosamente só, ignorando as propostas de Deus e prescindindo do amor, constrói cidades de egoísmo, de injustiça, de prepotência, de sofrimento, de pecado.

Um dos mistérios que mais questiona os nossos contemporâneos é o mistério do mal. Fica uma pergunta: Esse mal que vemos, todos os dias, tornar sombria e deprimente essa “casa” que é o mundo, vem de Deus, ou vem do homem? A Palavra de Deus responde: o mal nunca vem de Deus. Deus criou-nos para a vida e para a felicidade e deu-nos todas as condições para imprimirmos à nossa existência uma dinâmica de vida, de felicidade, de realização plena. O mal resulta das nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo e auto-suficiência. Quando o homem escolhe viver orgulhosamente só, ignorando as propostas de Deus e prescindindo do amor, constrói cidades de egoísmo, de injustiça, de prepotência, de sofrimento, de pecado. Fica claro, na primeira leitura, que prescindir de Deus e caminhar longe d’Ele,

leva o homem ao confronto e à hostilidade com os outros homens e mulheres. Nasce, então, a injustiça, a exploração, a violência. Os outros homens e mulheres deixam de ser irmãos, para passarem a ser ameaças ao próprio bem-estar, à própria segurança, aos próprios interesses. Prescindir de Deus e dos seus caminhos significa construir uma história de inimizade com o resto da criação. A natureza deixa de ser, então, a casa comum que Deus ofereceu a todos os homens como espaço de vida e de felicidade, para se tornar algo que eu uso e exploro em meu proveito próprio, sem considerar a sua dignidade, beleza e grandeza.

Caros irmãos,

O Evangelho deste domingo (Mc 3,20-35) mostra Jesus no seu ambiente familiar, junto aos seus parentes, que “Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si” (Cf. Mc 3, 21). Os mestres da Lei diziam que Jesus estava possuído por Belzebu.

Jesus, por sua vez, chamando os mestres da Lei diz: “Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela nos poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído” (cf. Mc 3, 23).

No Evangelho de hoje Jesus anuncia o Evangelho, começa a pregar o Evangelho na cidade de Cafarnaum. Há sérias oposições à pregação de Jesus e ao Reino que ele prega. Jesus se “auto revela”. Jesus prega numa casa, onde estão sentados e instalados os parentes e os mestres da Lei, como se fosse uma Assembleia.

São três diálogos: dois com seus familiares, no princípio e no fim, e outro com os Escribas. Os familiares de Jesus querem levá-lo de Cafarnaum para Nazaré, considerado por eles de louco ou herético, que deveria voltar ao caminha autêntico de judeu.

A pessoa de Jesus, passados mais de dois mil anos de sua morte e ressurreição, continua causando as mesmas oposições daquele tempo do Evangelho. Há hoje, por parte das instâncias governamentais, uma tendência em cassar o direito de anunciar o Evangelho e de pregar a Verdade do Reino de Deus que foi pregado por Jesus nos dias de hoje. Não eram somente os conterrâneos de Jesus ou seus parentes que o rejeitaram, não aceitaram ou fizeram oposição ao Reino de Deus.

Muitos continuam fazendo oposição a Jesus. Vivem distantes e dispersos de Seu Evangelho. A Palavra de Jesus é atual: “Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno” (Mc 3,28-29).

Jesus hoje questiona: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? E olhando para os que estavam sentados ao seu redor disse: ‘Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe’” (Cf. Mc 3, 33-35). Unir-se a Jesus para fazer a vontade do Pai é pertencer à sua “casa”, comunidade de irmãos e de irmãs, de amigos do Senhor.

Caros irmãos,

O Evangelho de hoje apresenta três diálogos de Jesus: dois com os seus familiares, no princípio e no fim, outro com os escribas, no meio. Fitemo-nos, por fim, pelos familiares de Jesus. Diz-se que vão a Cafarnaum para levar Jesus desta casa onde está para a sua casa em Nazaré. Muitas são as razões: muito tempo fora da família, notícias contraditórias sobre a sua actividade, mensagem em contraste com a doutrina oficial dos escribas e fariseus, contacto com os pecadores de quem é amigo, não seguimento da tradição dos antigos nem respeito pelo sábado; enfim, Jesus é considerado louco e herético. A intenção principal é reconduzi-lo ao caminho reto de um autêntico judeu. Há os que ficam de fora e os que estão dentro. Imagem actualíssima para nós hoje. Podemos andar por fora, arredios, ficar à porta, até nos chamarmos “católicos não praticantes”. Que significa isso? Faz sentido? Ou se é ou não se é. Aí está de novo a radicalidade da opção por Jesus. Ou ficamos fora, ou estamos dentro da casa, unidos a Jesus, a escutá-l’O e a segui-l’O com todo o nosso ser, com todo o nosso coração.

Prezados irmãos,

São Paulo, sustentado pelo espírito de fé, diz que: “certos de que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará também com Jesus e nos colocará ao seu lado, juntamente convosco” (cf. 2Cor 4,14). São Paulo pede coerência de vida pessoal e de vida comunitária, baseado nos valores do Reino expressos pelo Evangelho. Esta Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios – 2Cor 4,13-18, 5,1 – demonstra os princípios que sempre orientaram o trabalho apostólico de São Paulo, ou seja, optar a sua e a dos batizados na vida em Cristo. O mesmo espírito de fé que acreditamos deve ser vivido plenamente, em comunhão com Cristo. Viver para mim é Cristo, neste mundo, com os olhos fixos para o céu. A liturgia realça que, para o cristão, viver só faz sentido na certeza da ressurreição, na caminhada de vida interior que se renova dia a dia em perspectiva da eternidade.

O cerne da segunda leitura reside na opção pelo sentido da nossa vida em Cristo. São Paulo apresenta duas fortes convicções de fé: “com este mesmo espírito de fé, também acreditamos, e falamos”, que Deus há-de ressuscitar-nos com Jesus e vai levar-nos para ficarmos eternamente em comunhão com Ele; o homem interior renova-se em cada dia na medida em que intensifica o seu olhar nas coisas invisíveis que são eternas. Em consequência, há que renovar constantemente, sem desanimar, esta opção pela habitação eterna, em comunhão plena com Deus. Coisas essenciais, ditas de modo claro, exige de cada batizado coerência para a viver como autênticos discípulos de Cristo.

Prezados irmãos,

Fazer parte da família de Jesus é o cerne da vocação de cada batizado. Todos são chamados a participar da comunidade de discípulos que Jesus instituiu. Ele é o centro da vida cristã, e sua única missão é fazer a vontade do Pai, eliminando o espírito do mal que oprime as pessoas. Como batizados, escolhemos trilhar os mesmos caminhos de Jesus. Isso implica necessariamente renunciar às obras do mal, como nos recorda a liturgia do batismo. Assim como Jesus estabelece clara distinção entre o serviço a Deus e o poder de satanás, somos chamados, desde o primeiro momento de nossa vida cristã, a renunciar às obras do mal, não caindo em suas ciladas, como fizeram o primeiro homem e a primeira mulher. Somos chamados a continuamente fazer nossa profissão de fé. As leituras deste domingo nos convidam a sempre discernir a realidade da vida à luz

da fé, da proposta divina; a perseverar no diálogo amigo com Deus; a ser verdadeiramente membros da família de Jesus.

Estimados irmãos,

O tema central das leituras deste domingo é a reflexão acerca da identidade de Jesus. O evangelista Marcos nos mostra que, desde o início do cristianismo, os cristãos sentiram a necessidade de que a comunidade de fé tivesse muita clareza sobre quem era Jesus Cristo. Ainda hoje, essa questão continua a ser pertinente e essencial para os batizados. Para quem é membro da comunidade cristã, não pode haver dúvidas sobre quem Jesus é de fato, e as respostas ou opiniões que vêm de fora da comunidade não devem abalar nossas convicções, nossa fé e nosso pertencimento à sua família espiritual.

Fazer parte da família universal de Jesus é a vocação fundamental para os cristãos de todos os tempos. Tomar parte nessa família requer formar comunidades fraternas, centradas na pessoa de Jesus Cristo e dispostas a fazer a vontade de Deus. Para seguir Jesus Cristo, é fundamental identificar quais obras procedem de Deus Pai e quais obras pertencem ao demônio. O Espírito Santo é a fonte do discernimento das obras do bem e do mal.

O demônio pode nos envenenar com sentimentos de ódio, rivalidade, inveja, mentira, vícios destrutivos. Por isso, temos de estar sempre vigilantes, deixando-nos conduzir pelo Espírito Santo. No dia a dia, isso significa não adotar como fonte de discernimento certas práticas esotéricas – por exemplo, cartomancia, horóscopos etc. – para buscar soluções para os problemas. Pelo batismo, fomos revestidos das luzes do Espírito Santo, e isso nos basta.

Caros irmãos,

Nosso Senhor é o Messias, o Filho de Deus, que veio ao mundo com o Poder do Pai. É em nome deste poder que Jesus expulsa as forças malignas. Expulsando as forças do mal Ele ensina a vontade de Deus. Vontade que não é só discurso. Vontade de Deus que é prática cotidiana em que somos chamados a viver e a conviver como autênticos irmãos. Expulsar o que se opõe ao bem e praticar a vontade do Pai são dois lados da mesma moeda. Não podemos aderir a Jesus e não seguir a sua vontade de amar ao próximo, fiel a Jesus, libertando os nossos irmãos das possessões demoníacas hodiernas: tudo e qualquer coisa que nos desvia dos planos do Pai – o consumismo, a droga, a ganância, a injustiça, a perversidade, a perseguição, a maledicência e a calúnia digital, a língua maldita. Acreditar no poder de Cristo Jesus é confiar na misericórdia e no perdão de Deus. Ele tem o poder de perdoar pecados, pois por sua morte e ressurreição há de vencer definitivamente a satanás e o pecado. Este é, na verdade, o maior adversário do ser humano, pois o afasta da comunhão com Deus. Acolher o Reino de Jesus é participar do projeto de amor, de perdão e de comunhão revelado por Ele. Sejamos compassivos e vivamos, verdadeiramente, como irmãos.

Padre Wagner Augusto Portugal.

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