Pular para o conteúdo principal

28º DOMINGO DO TEMPO COMUM – B


“Senhor, se levardes em conta as nossas faltas, quem poderá subsistir? Mas em vós encontrar-se o perdão, Deus de Israel”. (cf. Sl 129, 3-4).

Meus queridos irmãos,

No Judaísmo, existe toda uma tradição que considera a sabedoria como o maior bem que se possa alcançar na terra. Assim nos ensina a Primeira Leitura (Sb 7,7-11): “Preferi a sabedoria aos cetros e tronos e, em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza;...”(cf. Sb 7,8). A Sabedoria supera tantas outras coisas consideradas valiosas: pedras preciosas, ouro, dinheiro, poder, vaidades, etc. Mesmo a saúde não vale tanto quanto a sabedoria. Ora, se uma coisa vale mais do que outra, e se impuser uma opção entre as duas, a gente tem que abandonar a que menos vale. É o que acontece com o Reino de Deus. Encontramos no Evangelho de hoje (Mc 10, 17-30) um homem que combinava a riqueza e vida decente. Tubo bem, sem problemas. Está à procura da “vida eterna”, a vida do “século dos séculos”, ou seja, do tempo de Deus, que ninguém mais poderá tirar. Poderíamos dizer: procura a verdadeira sabedoria, o rumo ideal de viver. Pedagogicamente, Jesus lhe lembra primeiro o caminho comum: observar os mandamentos. O homem responde que já está fazendo isso aí. Então, Jesus o conscientiza de que isso não é o suficiente. Coloco-o à prova. Se realmente quer o que está procurando, terá de sacrificar até sua riqueza – não vale a sabedoria do Antigo Testamento mais do que o ouro? O homem desiste, e vai embora. E Jesus fica triste, pois simpatizou com ele.

A sabedoria que fala a primeira leitura é a capacidade de fazer as escolhas corretas, de tomar as decisões certas, de escolher os valores verdadeiros que conduzem o homem ao êxito, à realização, à felicidade. Na perspectiva dos “sábios” de Israel, esta “sabedoria” vem de Deus e é um dom que Deus oferece a todos os homens que tiverem o coração disponível para o acolher. É preciso, portanto, ter os ouvidos atentos para escutar e o coração disponível para acolher a “sabedoria” que Deus quer oferecer a todos os homens. O autor deste “elogio da sabedoria” apresenta-se a si próprio como o rei Salomão (embora o nome do rei nunca seja referido explicitamente). Na realidade, o “Livro da Sabedoria” não vem de Salomão (já vimos que é um texto escrito no séc. I a.C., por um judeu da Diáspora, possivelmente de Alexandria); mas Salomão, o protótipo do rei sábio era, para os israelitas, a pessoa indicada para apresentar a “sabedoria” e para a recomendar a todos os homens. Usando uma ficção literária, o autor coloca, pois, na boca de Salomão este discurso sapiencial.

A “sabedoria” é um dom de Deus que o homem deve acolher com humildade e disponibilidade. Ela não chega a quem se situa diante de Deus numa atitude de orgulho e de autossuficiência; ela não atinge quem se fecha em si próprio e constrói uma vida à margem de Deus; ela não encontra lugar no coração e na vida de quem ignora Deus, os seus desafios, as suas propostas. O “sábio” é aquele que, reconhecendo a sua finitude e debilidade, se coloca nas mãos de Deus, escuta as suas propostas, aceita os seus desafios, segue os caminhos que Ele indica. Talvez um dos grandes dramas do homem do século XXI seja o prescindir de Deus e de passar com total indiferença ao lado das propostas de Deus.

Meus irmãos,

Jesus, ao longo da estrada para Jerusalém foi transmitindo para os seus discípulos as condições para o seu seguimento. Para os judeus possuir muitos bens significava que ele se sentia muito abençoado por Deus, digno de sua amizade e merecedor do céu. Se já tinha tudo, por que procurar outras coisas ensinadas pelo Nazareno? Jesus inverte o quadro. É o pobre que tem a bênção divina. Não o pobre de bens materiais. Porque diante de Deus pobre e rico têm o mesmo valor e dignidade. Mas o pobre de coração, isto é, o desapegado de bens e de si mesmo. O desapego é um tema inevitável para quem quer compreender a pessoa de Jesus, seu modo de viver e a sua doutrina. Por conseguinte, a gratuidade do serviço que Jesus nos convoca, o desapego é um dos temas mais difíceis do Novo Testamento. O cristão não considera má as riquezas. Mas deve viver desprendido delas. Não é a conquista dos bens – nem materiais nem espirituais – a sua meta. Mas a aproximação sempre maior de Deus até a comunhão total com ele. Os bens são amarras que impedem o vôo, são jaulas, ainda que às vezes de ouro, que estreitam e encurtam os horizontes do destino humano.

Caros irmãos,

No Evangelho deste domingo – Mc 10,17-30, observamos a pergunta que é feita para Jesus, deve ser feita a cada um de nós hoje: “Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” (cf. Mc 10, 17) A vida eterna não se compra com obras. Nenhuma obra humana é suficientemente para se entrar na vida eterna, que é graça de Deus. Apenas Jesus, por ser Filho de Deus, foi capaz de merecer a vida eterna. É um dom Dele para nós, pago com seu Sangue. Por isso São Paulo chama o Cristo de “nossa justificação” (cf. Rm 10,4), isto é, nossa santificação.

Mas devemos lembrar que as obras crescem a nossa fé. Somos chamados a fazer o bem a todos, indistintamente, porque Deus é bom. Fazemos o bem, porque Cristo o fez. Mas não somos nós que julgamos o bem que fazemos. Deus dará a recompensa como ele quiser e na medida em ele quiser. Não fazemos boas obras para, em troca, ganhar o céu. Mas fazemos boas obras para, com elas, glorificar a Deus. Por isso em tudo Deus seja louvado! Cuidado, para que em nada seja feito comércio com Deus, porque tudo é graça do Senhor.

Não queremos ganhar a vida eterna como “barganha” ou uma “negociata”. Precisamos aprender como entrar no Reino de Deus. O Reino de Deus é a pessoa de Jesus presente entre nós, é o modo de vivermos a presença de Deus. Para Jesus, o Reino de Deus tem duas fases: uma atual, neste mundo; outra futura, que é a glória eterna. A segunda depende da primeira. A vida do ser humano sobre a terra foi muito valorizada por Jesus. Esta vida já é parte da eternidade. Já nesta vida vivemos a vida eterna. Esse Reino, que deve ser a primeira preocupação nossa (cf. Mt 6,25-34) e pelo qual devemos sacrificar tudo (cf. Mt 13,44s) só é compreendido pelos que têm espírito de pobre (cf. Lc 6,20) e desenvolve-se lentamente na vida presente, alcançando a sua plenitude na ressurreição, quando os corpos são transformados. Se para entrar no Reino é preciso espírito de pobre, a exigência de Jesus ao homem rico torna-se clara como a luz do dia. Poder-se-ia pensar que essa pobreza fosse indicada somente para os que fazem votos religiosos. Para eles claramente. Mas a exigência da pobreza é para todos os batizados.

Meus irmãos,

Observar a lei da pobreza é preceito evangélico amplo e pacífico. Mesmo sabendo que era difícil entrar a lição da pobreza na cabeça de seus discípulos Jesus os chama de meus filhos e garante-lhes o poder salvífico e Deus, em quem podem confiar,

quando as coisas e os fatos parecem ou são impossíveis de acontecer. Observemos a diferença: o homem rico foi embora abatido (cf. Mc 10,22); os discípulos, que pensavam como o homem rico, ainda que não compreendessem por inteiro a lição de Jesus, permaneceram junto dele. E isso não porque fossem melhores e mais bravos que o homem rico, mas porque confiavam em Jesus. Como “a Deus tudo é possível (cf. Mc 10,27)”, possível foi transformar os discípulos em Pentecostes e fazer deles verdadeiros discípulos de Jesus, que souberam desprender-se de tudo, inclusive de sua própria vida.

A lição de Jesus, narrada no Evangelho de hoje (cf. Mc 10,17-30 ou 17-27) era de que não se vai à Cruz e à Páscoa abraçando às riquezas. O Cristo despedido na Cruz é símbolo do total desapego, posto por Jesus como condição de vida eterna.

Meus caros irmãos,

A história evangélica do homem rico, que buscava a vida eterna, mas não estava disposto a prescindir da sua riqueza, alerta-nos para a impossibilidade de conjugar a vida eterna com o amor aos bens deste mundo. A riqueza escraviza o coração do homem, absorve todas as suas energias, desenvolve o egoísmo e a cobiça, leva o homem à injustiça, à exploração, à desonestidade, ao abuso dos irmãos… É, portanto, incompatível com o “caminho do Reino”, que é um caminho que deve ser percorrido no amor, na solidariedade, no serviço, na partilha, na verdade, no dom da vida aos irmãos. Podemos levar vidas religiosamente corretas, frequentar a Igreja, dar o nosso contributo na comunidade, ocupar lugares significativos na estrutura paroquial; mas, se o nosso coração vive obcecado com os bens deste mundo e fechado ao amor, à partilha, à solidariedade, não podemos fazer parte da comunidade do Reino.

Jesus conhecia bem os seus discípulos e sabia o que cada um tinha deixado para o seguir. “Casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos” são imagens do que é caro e essencial na vida. Para seguir Jesus com fidelidade, é necessário desapegar-se do que é mais importante. Quem o segue, porém, não fica sem o essencial. Por isso, Jesus elenca as coisas que devem ser deixadas e a seguir as repete, como as mesmas que serão dadas aos seus seguidores (Mc 10, 29-30). Assim, ensina que nada falta a quem deixa tudo por causa sua e do Evangelho. A verdadeira sabedoria consiste na assimilação dessa lógica.

Irmãos e Irmãs,

A segunda Leitura (cf. Hb 4,12-13) acentua a mensagem do Evangelho. Continua a Carta aos Hebreus. Jesus encarna a Palavra de Deus, ativa na história, decisiva como uma espada de dois gumes: diante dela, devemos optar: neutralidade não existe.

Por isso a liturgia hodierna conclama a uma autentica libertação do egoísmo, dominando nossa ânsia de acumular o transitório, o terreno, o efêmero. Agindo assim devermos nos colocar a serviço dos irmãos e irmãs necessitados, lembrando que nesse

mês missionário, a Igreja nos convida a levar a Boa Nova formando discípulos-missionários de Jesus Cristo, na sabedoria e no discernimento da busca dos valores eternos, vivendo os mandamentos, partilhando os bens para assim bem seguir Jesus caminho, verdade e vida.

A segunda leitura nos ensina que a Palavra de Deus é viva, atuante, eficaz e renovadora – diz o nosso texto. Ela deveria ter um impacto positivo e transformador nas nossas vidas, nas nossas famílias, nas nossas comunidades, na sociedade à nossa volta… No entanto, a Palavra de Deus é proclamada diariamente nas nossas liturgias e continuamos a escolher valores errados, a erguer barreiras de separação entre pessoas, a marcar a nossa relação comunitária pela inveja, pelo ciúme, pela discórdia, a perpetuar mecanismos de injustiça, de violência, de exploração, de ódio. O que acontece é que escutamos, acolhemos e apreendemos outras “palavras” e passamos com indiferença ao lado da Palavra de Deus. É preciso voltarmos a “escutar” a Palavra de Deus – isto é, a ouvi-la com os nossos ouvidos, a acolhê-la no nosso coração, a deixarmos que ela nos transforme e se expresse em gestos concretos de vida nova. Sem o nosso “sim”, a Palavra de Deus não encontra lugar no nosso coração e na nossa vida. A Palavra de Deus ajuda-nos a discernir o bem e o mal e a fazer as opções corretas. Ela ecoa no nosso coração, confronta-nos com as nossas infidelidades, critica os nossos falsos valores, denuncia os nossos esquemas de egoísmo e de comodismo, mostra-nos o sem sentido das nossas opções erradas, grita-nos que é preciso corrigir a nossa rota, desperta a nossa consciência, indica-nos o caminho para Deus. Para que esta Palavra seja eficaz é preciso, contudo, que não nos fechemos nessa atitude de autossuficiência que nos torna surdos àquilo que põe em causa os nossos esquemas pessoais; mas é preciso que, com humildade e simplicidade, aceitemos questionar-nos, transformarmo-nos, convertermo-nos.

Caros irmãos,

Ajudemos a comunidade a discernir que o dinheiro é importante, mas não é o que confere felicidade ao coração humano. É preciso ser sábio e viver com o necessário para ser feliz. O que temos em excesso pode nos impedir de seguir o Senhor. Cabe-nos pôr nossos bens a serviço dos vulneráveis. Buscar a sabedoria é fundamental para seguir Jesus, tornando-nos abertos a seu convite ao discipulado. Sua Palavra torna-se eficaz e viva à medida que somos afetados por ela e nos dispomos a servir e amar.

Devemos ter absoluta confiança em Deus e em sua Providência Santíssima! Somos missionários por graça de Deus e não por privilégio! A Igreja adverte a cada batizado sobre as escolhas que fazemos; recorda-nos que nem sempre o que reluz é ouro e que é preciso, por vezes, renunciar a certos valores perecíveis, a fim de adquirir os valores da vida verdadeira e eterna. Deus nos ajude neste bom propósito.

Padre Wagner Augusto Portugal

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SANTA MARIA, MÃE DE DEUS E DOS HOMENS

“Hoje surgiu a luz para o mundo: O Senhor nasceu para nós. Ele será chamado Admirável, Deus, Princípe da paz, Pai do mundo novo, e o seu reino não terá fim” (Is 9,2.6; Lc 1,33)   Meus queridos Irmãos,               A Solenidade de Hoje é muito antiga dentro da Tradição Litúrgica da Igreja Católica. Remonta ao Concílio Ecumênico de Éfeso, que foi realizado nesta cidade no ano de 431 da era cristã, em que a Igreja concedeu a Virgem Maria o Título de “Mãe de Deus”. Se Maria é Mãe de Deus, também por ser por obra e graça do Espírito Santo Mãe de Cristo, ela também é Mãe de todos os viventes, de todos os homens e de todas as mulheres.             Maria, pela celebração de hoje, está inscrita no livro da vida eterna. Está inserida no projeto de salvação e, também, se reafirma que Jesus Cristo é o verdadeiro Filho de Deus encarnado em Maria. Professar a Maternidade...

Dia dos Pais

  No segundo domingo de agosto celebraremos o Dia dos Pais. É tempo de rezar por nossos pais e de agradecer por suas vidas. Todos sabemos o quanto nossos pais fizeram ou fazem por nós: amar, educar, orientar, corrigir quando necessário... Todos nós já recebemos desses gestos o sinal de sua presença amorosa. Para além do sustento da casa, o pai exerce um papel fundamental no ambiente familiar. Este Dia dos Pais, comemorado pelos brasileiros neste domingo, 10 de agosto de 2025, é uma oportunidade para celebrarmos a vida desses homens que assumem a missão divina de formar cidadãos para o mundo e filhos para Deus. Ao optar pelo matrimônio, o homem deve estar ciente das responsabilidades que assume: não apenas a de ser marido, mas a de ser pai, protetor e educador de toda a família. O pai é imagem de Deus Pai: aquele que cuida, orienta, provê e ama. O homem, ao se casar, se torna responsável por sua casa — pela esposa, pelos filhos, e por conduzir o lar com fé, equilíbrio ...

SOLENIDADE DA ASCENÇÃO DO SENHOR, C.

  “Homens da Galiléia, por que estais admirados, olhando para o céu? Este Jesus há de voltar do mesmo modo que o vistes subir, aleluia!”  Meus queridos Irmãos A primeira leitura e o Evangelho (cf. Lc 24,46-53) nos contam como os apóstolos viveram as últimas aparições de Jesus ressuscitado: como despedida provisória e como promessa. Jesus não voltaria até a consumação do mundo, mas deixou nas mãos deles a missão de levar a salvação e o perdão dos pecados a todos que quisessem converter-se, no mundo inteiro. E prometeu-lhes o Espírito Santo, a força de Deus, que os ajudaria a cumprir sua missão. A vitalidade a juventude da Santa Igreja, até hoje, tem a sua raiz nesta bendita herança que Deus lhe deixou: “É bom para vocês que eu me vá – diz Jesus no evangelho de João – porque, senão, não recebereis o Paráclito, o Espírito da Verdade.” (cf. Jo 16, 7) Jesus salvou o mundo movido pelo Espírito e dando a sua vida pelos homens. Agora, nós devemos dar continuidade a est...